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A mídia “é de propriedade de algumas empresas, que não possuem em suas finalidades o atendimento exclusivo dos interesses da nação. Trata-se de empresa que vive de receitas e de lucros e de interesses (políticos, empresariais, ideológicos etc.)”, buscando “a maximização dos lucros, em detrimento da sua antiga função militante; sua militância atual é a da livre empresa, a sociedade de mercado”.

No Brasil, “desde a chamada ‘Nova República’ (1985), a grande imprensa (com raras exceções), que está nas mãos de 11 famílias e alinhada com o modelo econômico brasileiro (escravagista/neoliberal), vem cumprindo seu papel de ‘aparelho privado da hegemonia’”. Seu jornalismo investigativo “tem como alvo predileto a corrupção e seus protagonistas estatais ou privados”, sendo o “comum” a sua “postura da atuação conforme as conveniências (jornalísticas, empresariais ou ideológicas) de cada momento”.

A mídia (TV, rádio, jornais, internet etc.), especialmente nos últimos 30 anos, se apropriou da questão criminal, na medida em que o Estado foi perdendo “sua capacidade de resolver os conflitos sociais”, assim como pela judicialização da política e pela criminalização dos políticos pela própria mídia. Ela “foi ganhando mais protagonismo, porque transformada, a pedido muitas vezes da própria opinião púbica, em palco das discussões e das reivindicações, assim como veículo das ‘soluções’ para os graves problemas sociais”.

A grande quantidade de notícias na área da violência “foi forjando uma generalizada percepção sobre o caos e o perigo que reinam sobre a cidade”, da qual “surgem as sensações de indefesa e de medo”. Por essa razão, a mídia “tem sido apontada como principal promotora do medo e da preocupação social”, cuja difusão “permanece como uma engenhosa forma de dominação política, atingindo e modificando (negativamente) o cotidiano e o comportamento da população”.

Na mídia, “tudo é feito para iludir, interferir, gerar emoções ou sensações nas pessoas, sobretudo a de que o sistema penal (embora precário) está capacidade para resolver os conflitos sociais e penais”. Ela “produz uma visão distorcida da realidade e fomenta no público um sentimento generalizado de insegurança”.

Além disso, os setores midiáticos mais conservadores e radicais possuem um discurso “de ruptura (às vezes absoluta) com o sistema legal, constitucional e internacional vigentes, na medida em que, fundados na irracionalidade da violência e da vingança, propõem penas proibidas (pena de morte, prisão perpétua), o fim das garantias jurídicas (penais e processuais), a quebra de cláusulas pétreas (redução da maioridade penal, para aqueles que entendem que o art. 228 da CF constitui cláusula dessa natureza), o extermínio dos direitos humanos (dos presos, especialmente), a justiça pelas próprias mãos etc. Acredita-se que a violência feroz ou que a política do ‘olho por olho, dente por dente’ seja a única justa”.

A mídia pratica um jornalismo demagógico, “que diz o que o povo (crédulo, impotente) quer ouvir ou ler”. Ela “trabalha com as expectativas gerais da população, para ganhar o seu consenso e sua confiança”. Ao mesmo tempo, “se vale da fragilização dos políticos para exigir deles mais alinhamento com suas demandas punitivas exemplares”.

Nesse sentido, a mídia “atua como grupo de pressão contra os poderes constituídos (diante do sistema punitivo legal ou órgãos de controle formal), para influenciar na criminalização primária (do poder legislativo) ou secundária (do poder judicial), assim como na configuração da política criminal do Estado”.

A crítica midiática ao mau funcionamento da Justiça, por exemplo, “não tem por objetivo a sua eliminação, sim, a reivindicação de mais rigor punitivo (mais sanções, mais leis duras, mais pena de prisão, mais encarceramento etc.). O populismo penal midiático joga todas as suas forças na expansão do poder punitivo”.

Este tipo de jornalismo, que Luiz Flávio Gomes denomina de “populista ou justiceiro”, tornou-se “um interlocutor privilegiado para canalizar as demandas da população relacionadas com a insegurança e a corrupção”, fazendo uso do “sensacionalismo para ser ‘bem’ vendido: dramatizam a violência (atendendo uma demanda psicanalítica do leitor ou expectador), mediante a exploração da situação da vítima ou da sua família destroçada pelo delito, por ter sido despojada dos seus bens ou da sua vida”.

Ele “conta com horizontes imprecisos, mas está institucionalizado como o quarto poder (ele fala, agora, até mesmo com o STF, de igual para igual)”, não sendo de estranhar, assim, que o jornalista justiceiro Merval Pereira teve seu livro “Mensalão: o dia a dia do mais importante julgamento da história política do Brasil”, prefaciado, com altos elogios, pelo ex-ministro do STF Ayres Britto.

Além disso, “na medida em que a Justiça começa a se comunicar diretamente com a opinião pública, valendo-se da mídia, ganham notoriedade tanto os anseios populares de justiça (cadeia para todo mundo, prisão preventiva imediata, recolhimento sem demora dos passaportes dos condenados, fim dos recursos – ignorem a justiça internacional) como a preocupação de se usar uma retória populista, bem mais compreensível pelo “povão” (“réus bandidos”, “políticos bandoleiros”, “a pena não pode ficar barata”, “o sistema penal brasileiro é frouxo”, “os juízes são flexíveis”, “Vossa Excelência advoga para o réu?”, “no Brasil o rico não vai para a cadeia” etc.)”.

A escandalização é uma forma de convencimento e de manipulação da população (“impunidade absoluta”, “os menores podem fazer o que quiserem e não passa nada com eles”, “os presos entram por uma porta e saem pela outra”, “a política prende e o juiz solta”, “os juízes são fracos”, “glorificação dos justiceiros etc.)”.

Essa escandalização, a qualificação cotidiana de certas leis penais como “brandas ou defasadas” e de determinadas instituições como “ineficazes”, o bem como o alardeamento pela mass media de “uma grande cifra de crimes em sua programação”, fatalmente serão introjetadas “como verdade, reverberando em medo e insegurança que, por sua vez, conduzirão à fragilização dos vínculos sociais e a demandas por respostas estatais mais duras”.

A linguagem midiática “é de guerra. O suspeito ou criminoso virou inimigo. Os jornais não emitem notícias diárias, sim, boletins de guerra”. De outra parte, “a repetição de uma mesma notícia em vários canais de comunicação é suficiente para que esta seja considerada como verdadeira”.

Para Luiz Flávio Gomes, “a exploração exaustiva das emoções das pessoas ou do horror sanguinário encenado pelos crimes que leva à compaixão (com a vítima), sem excluir o medo, que constitui a base da sensação de insegurança, funcionam como alavancas para a postulação justiceira de políticas repressivas duras ou maior vigilância e controle sobre os segmentos presumivelmente suspeitosos”.

Segundo ele, “nosso controle social sempre teve o caráter penal e, mais que isso, sempre foi racista, etnicista, sexista, desigual, machista, discriminatório e militarista (autoritário)”.

Pela mídia “postula-se a ‘restauração da ordem social’ e, dissimulada ou ostensivamente, difunde-se a justiça com as próprias mãos, a pena de morte ou de prisão perpétua, a pena de humilhação pública, o autoritarismo (que está em seu crepúsculo ou houve mera transfiguração), a desqualificação das instituições democráticas, a criminalização dos suspeitos escolhidos assim como dos setores marginalizados ou das instituições políticas, o fim das garantias jurídicas, a extirpação dos direitos humanos etc.”.

O jornalismo justiceiro também atua como juiz, mas “não age como um terceiro imparcial (como um juiz clássico). Ele toma parte no debate, expõe seu ponto de vista, assume sua posição”. Ele “vai mais longe: às vezes interfere diretamente e pressiona o voto de cada juiz”.

Quando o jornalismo populista atua como “substituto da Justiça oficial”, ele “se apresenta como um poder paralelo, ‘justiceiro’, que compete com o sistema legal sancionador, investigando, acusando, julgando e condenando moralmente o desviado. A pena da humilhação pública é a punição informal mais frequente”.

O criticável no jornalismo justiceiro não é o castigo ao delinquente, que é um fim legítimo,  mas os meios empregados, os discursos extremados, os excessos postulados, assim como a falta de ética e de Justiça social, “na medida em que ignora (ou procura ignorar) as políticas públicas de prevenção, a vigência do Estado de Direito com todas as suas garantias denotadoras de civilidade, assim como a imperiosidade ética dos direitos humanos, sem contar seu niilismo em termos de discussão dos problemas estruturais da sociedade”.

Como “as políticas públicas populistas vêm demonstrando sua ineficácia em cada momento, gerando grande descontentamento, sobretudo a partir de cada novo crime explorado midiaticamente”, cria-se um “círculo vicioso e perverso que distrai a atenção sobre outras problemáticas públicas e sociais”.

Por isso, como alerta Luiz Flávio Gomes, há que se ter distância da mídia que, em geral, “se vale de clichês e de estereótipos para criar heróis e vilões, verdadeiros ícones do bem e do mal presentes na sociedade”.

* Estudo elaborado com base na obra “Populismo penal midiático: caso mensalão, mídia disruptiva e direito penal crítico”, de GOMES, Luiz Flávio e ALMEIDA, Débora de Souza de. São Paulo: Saraiva, 2013.

Oswaldo Miqueluzzi – Advogado, licenciado em História com pós-graduação em História Contemporânea. Ex-vice-presidente da ABRAT (Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas) – Região Sul. Assessor jurídico da Federação dos Trabalhadores no Comércio no Estado de Santa Catarina.

Autor: Oswaldo Miqueluzzi

Publicado em 17/07/2014 -

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