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Por Vitor Nuzzi*

Quando cinco centrais sindicais se reuniram em 2010, no estádio do Pacaembu, em São Paulo, o país mostrava bom desempenho na economia, o que seria confirmado com o anúncio do maior Produto Interno Bruto (PIB) em 25 anos, recorde na criação de empregos com carteira assinada e reduzidas taxas de desemprego. Naquele momento, as entidades aprovaram uma pauta, chamada de agenda trabalhista, para ser entregue aos então candidatos ao Palácio do Planalto. Quatro anos depois, as centrais têm avaliações diferentes do cenário econômico e político, mas coincidem ao afirmar, externa ou reservadamente, que faltou articulação ao governo Dilma Rousseff. Os sindicalistas reclamam que o Executivo ouviu pouco os representantes dos trabalhadores. Com a economia em ritmo mais lento – mas não tão ruim quanto querem fazer crer alguns comentaristas –, e candidaturas de oposição tentando crescer, a postura das entidades sindicais mudou.

Quatro anos atrás houve praticamente unanimidade em torno do apoio a Dilma na sucessão de Lula, e a proximidade de nova eleição presidencial move cada passo das centrais. Mas se é verdade que todas criticam um certo distanciamento entre o governo e os movimentos sociais, também é fato que, para uma parcela do movimento sindical, mais importante que o atendimento de algumas reivindicações é o projeto de governo e de país que estará em discussão até outubro.

Os destaques mais visíveis da agenda trabalhista são a redução da jornada legal de 44 para 40 horas semanais, o fim do fator previdenciário e o combate ao projeto sobre terceirização (PL 4.330). A pauta se compõe ainda da ratificação, pelo Brasil, de duas convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT): a 151 (sobre negociação coletiva e direito de greve no setor público) e a 158 (que coíbe demissões imotivadas). A bancada empresarial, três vezes maior que a dos trabalhadores no Congresso, é contra. E a Confederação Nacional da Indústria (CNI) tem ainda uma lista de 100 itens na qual defende a “modernização” das relações de trabalho. Para as centrais, isso é sinônimo de “flexibilização” e “precarização”.

gerardo lazzari/rba
Em 2012, as centrais estava,m juntas em no Pacaembu e levaram pauta a candidatos ao Planalto, que ficou devendo

Diante do confronto de agendas, as centrais programaram para este 9 de abril uma nova “marcha”, a exemplo da que fizeram em março do ano passado, quando também reclamavam atenção do governo (ou “Que a Dilma nos ouça”, como chamava a capa da edição nº 82). A diferença é que, agora, há posicionamentos mais distantes. Uma central chegou a defender o cancelamento do evento, por receio que se tornasse um ato mais de protesto de viés eleitoral do que de reivindicação.

Para um dirigente sindical, falta à gestão Dilma um “cabeça de área”, aquele jogador que no futebol tem a função de proteger a defesa e iniciar as jogadas. O jornalista Ricardo Kotscho, em artigo publicado no mês passado, fez outra metáfora futebolística. “Ao comprar uma briga que não precisava, levando a reforma ministerial em banho-maria até secar a água, os articuladores do governo pareciam até o zagueiro artilheiro Antônio Carlos, que marcou dois gols contra o São Paulo no jogo de domingo contra o Corinthians”, afirmou, referindo-se a uma partida disputada (no mesmo Pacaembu) em 16 de março, quando o tricolor venceu o alvinegro por 3 a 2, mas antes de marcar, no final, o gol da vitória, viu seu defensor jogar a bola duas vezes para as próprias redes.

Data de validade

Em entrevista no início de março à Rede Brasil Atual, o presidente da CUT, Vagner Freitas, disse que faltou diálogo por parte do governo, que também deveria ter apoiado com mais intensidade reivindicações das centrais como a redução da jornada e o fim do fator previdenciário. “Seriam as grandes marcas que este governo poderia deixar”, afirmou Freitas. E que tornariam menos espinhosa no meio sindical a discussão da sucessão presidencial, como ele admitiu.

Mesmo assim, Freitas adiantou que se lançará “de corpo e alma” na campanha pela reeleição de Dilma: “Não é questão de nome ou de partido, mas de projeto”. O cutista considera que há dois em disputa em 2014. No primeiro, está a possibilidade de avançar na agenda trabalhista, talvez com menos dificuldades na interlocução. O outro projeto apontaria para um retrocesso: “Que conquista os trabalhadores têm para lembrar daqueles oito anos?”, questiona, referindo-se à gestão de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), em que a interlocução inexistia.

“Nós apostamos num projeto de mudança”, diz o presidente da CTB, Adilson Araújo. “A política de valorização do salário mínimo, combinada com programas sociais, colocou o Brasil em outro patamar. Mas a nossa pauta (trabalhista) está contingenciada”, acrescenta. “Achamos que o governo não tem dado a devida atenção a essa base eleitoral importante. A retomada do diálogo seria uma boa sinalização.”

Além de tentar incrementar direitos, os sindicalistas se preocupam com a permanência dos atuais. Um se refere ao salário minimo, cuja politica de valorização é considerada uma das principais conquistas obtidas pelas centrais com o governo. Mas o acordo tem prazo determinado: vai até 2015, e já se ouvem vozes no chamado “mercado” pedindo o fim dos aumentos automáticos – baseados na variação da inflação acrescida do resultado do PIB. Outra questão considerada importante, a correção automática da tabela do Imposto de Renda, já não está mais garantida.

O presidente da CTB diz que a militância da central está “liberada” para apoiar quem quiser. Mas ele considera que a reeleição de Dilma representaria “a quarta vitória do povo brasileiro”, considerando nessa conta as duas eleições de Lula. E cobra mais celeridade no investimento em infraestrutura – cita “gargalos” em questões como segurança pública, saúde, mobilidade urbana e moradias populares. E aponta a necessidade de aumentar a bancada de representantes dos trabalhadores no Parlamento, que é onde a pauta trabalhista fica parada: “A correlação de forças no Congresso Nacional ainda não nos é favorável. As centrais precisam ter essa visão”.

Em março, as centrais se reuniram com o procurador-geral do Trabalho, Luis Camargo, e combinaram atuar em conjunto pela aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 231, que reduz a jornada semanal de 44 para 40 horas. Essa PEC tramita desde 1995 e está pronta para ir a plenário na Câmara, assim como o Projeto de Lei 3.299, de 2008, que propõe o fim do fator previdenciário.

O presidente da UGT, Ricardo Patah, diz que ele não pode “impor à base” a candidatura que defende. No caso, Dilma, que regulamentou a categoria de comerciário, da qual ele é originário. “Reconhecemos a importância do trabalho que ela desenvolveu. Tem tudo a ver com o DNA da UGT, que está na base da pirâmide”, comenta. Mas também ele considera que “falta conversa”, dizendo-se “muito decepcionado” com a manutenção do fator previdenciário. A fórmula, que leva em conta a distância entre a idade com que a pessoa se aposenta e sua expectativa de vida estimada pelo IBGE, foi criada no final dos anos 1990: quanto mais precoce é a aposentadoria, menor o valor do benefício.

Candidaturas

Os seis meses que separam abril das eleições tendem a ser “encurtados” por causa dos 32 dias de Copa do Mundo. Mas o ambiente político pegou fogo logo depois do carnaval, com crise entre o governo e a bancada do PMDB na Câmara. A relação sofreu um arranhão mais ardido com a saída do PT do governo do Rio de Janeiro. O presidente da CGTB, Antônio Neto, membro do diretório nacional do PMDB, defende sua legenda na crise, critica os aliados, mas mesmo assim acredita que a aliança com o PT se manterá para a disputa por mais quatro anos no quarto andar do Planalto.

Neto avalia que o país segue em bom caminho. “Há um trabalho da mídia contra os resultados do governo Dilma, que não são pífios. O Brasil está dentro da média internacional. Mas a gente sabe que é uma preparação eleitoral.” Para Neto, só existe risco de recuo na politica de valorização do salário mínimo em um caso: “Se a direita ganhar”. O sindicalista elogia a “história de luta” de Dilma, mas critica a postura do governo, “de cintura dura”, com dificuldade para conversar com movimentos sociais.

Quem se define desde já como um não eleitor de Dilma é o presidente da Força Sindical, Miguel Torres. “Ela só teve todo apoio (em 2010) porque o movimento sindical acreditava que ela daria continuidade (ao governo Lula). Acho que ela perdeu muito apoio. Na base da Força, perdeu 90%. O que ela fez para o movimento sindical foi traição. Ela fechou portas. A pauta praticamente não andou nestes quatro anos”, critica. Torres também identifica uma “ofensiva” para acabar com direitos sociais ou dificultar o acesso a eles, citando itens como auxílio previdenciário e seguro-desemprego. Como os demais, ele destaca a importância de se manter a política de reajustes do salário mínimo.

Em 2010, o então presidente da Força, o deputado federal Paulo Pereira da Silva, apoiou Dilma. O dirigente, que saiu do PDT para criar o Solidariedade (SDD), começou a manifestar contrariedade de forma sistemática justamente na marcha que as centrais promoveram em março do ano passado. Mas Torres afirma que não é a totalidade da Força que acompanha a posição de ruptura com o governo.

Isso se repete em outras centrais: o presidente da UGT, por exemplo, é filiado ao PSD do ex-prefeito paulistano Gilberto Kassab. Mas a central tem entre seus diretores Francisco Pereira de Sousa Filho, o Chiquinho, do PPS, que faz frontal oposição a Dilma. A própria CTB, majoritariamente composta por gente do PCdoB, que apoia Dilma, tem também nos seus quadros militantes do PSB, do presidenciável Eduardo Campos.

Marcha

Mesmo mais fraca, a economia joga a favor de Dilma. Os primeiros resultados sobre a indústria permitiram, ao menos, acreditar em uma recuperação. A inflação anualizada se mantém abaixo dos 6% e a taxa de desemprego continua em seus menores níveis históricos. A criação de empregos formais em fevereiro foi a segunda maior para o mês desde 1992. Em março, a gestão Dilma estava próxima de alcançar o saldo de 5 milhões de vagas com carteira assinada.

Em debate promovido em março pela revista CartaCapital, o norte-americano Paul Krugman, prêmio Nobel de Economia em 2008, afirmou: “O Brasil saiu da crise mundial muito bem e não se justificam preocupações com sua economia”. Para ele, o país deixou de ser vulnerável há muito tempo. No mesmo evento, a empresária Luiza Trajano, da rede de lojas Magazine Luiza, atribuiu uma suposta imagem de incerteza no Brasil à má comunicação por parte do governo.

Parar tirar dúvidas, o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, pega carona na efeméride de 50 anos do golpe e, em artigo no site Carta Maior, sugere ao governo fazer seu próprio comício da Central do Brasil – realizado no Rio de Janeiro em 13 de março de 1964, quando o presidente João Goulart afirmou compromisso com as chamadas reformas de base.

“De dentro do Legislativo para todos os brasileiros. O que mudou no Brasil e é incontroverso, e o que é necessário que se continue a fazer para mudar o Brasil de país de miseráveis para país sem miseráveis”, propõe. “Nenhum lugar mais apropriado do que uma das Casas do Congresso como sede e palanque para um grande comício democrático, de prestação de contas, de esclarecimentos de dúvidas e, também indispensável, a declaração de compromissos inquebrantáveis com os rumos traçados tendo o povo brasileiro como norte, dispensando a tecnocracia dos manuais financiados pelos rentistas das dificuldades alheias.”

* RBA – Rede Brasil Atual



Publicado em 14/04/2014 -

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