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Aproximam-se as eleições presidenciais. E, como de costume, os eleitores precisam estar atentos ao pacto “Veja-Globo-Folha”, criado em 2005, segundo o jornalista Luis Nassif, para “desestabilizar o governo” do PT.

No Brasil, como alerta Vladimir Safatle, defende-se a liberdade de expressão, mas ao mesmo tempo se “faz uma cobertura jornalística altamente enviesada, partidarizada, omitindo temas importantes e procurando agendar assuntos de interesses de certas linhas políticas e econômicas. A liberdade de expressão defendida genericamente seria apenas de alguns setores sociais detentores dos meios de comunicação ou a ele ligados”.

Para a Presidente da ANJ (Associação Nacional dos Jornais) e superintendente da Folha, são os meios de comunicação que “estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que oposição está profundamente fragilizada”.

Segundo Jakson Ferreira de Alencar, “após a redemocratização [1985], não são poucos os registros de interferências de meios de comunicação nas eleições e nos governos”, dentre os quais “o apoio quase unânime da imprensa à eleição de Fernando Collor”, a “implantação da agenda neoliberal no país”, “e sua oposição, também quase unânime, ao governo Lula”.

São, diz ele, “hábitos sinistros que estão se arraigando em nossa imprensa, como fazer acusações sem provas e prejulgar pessoas e instituições de maneira açodada, desrespeitando o princípio da presunção de inocência. Com seu poder, a mídia consegue intimidar inclusive juízes, produzindo outra aberração contra a democracia, que é obstruir o direito de todo o cidadão ou empresa de ter um julgamento isento e livre, longe das paixões políticas”.

Como a cobertura da mídia não corresponde aos ideais universais da “isenção, pluralidade, apartidarismo”, e sendo “altamente concentrada”, ela “dificulta a ampliação e o amadurecimento da democracia”.

A aliança entre ditadura, mídia e setores econômicos

Para Jakson Ferreira de Alencar, a concentração da mídia no Brasil em poucas mãos é “decorrência da má distribuição de todas as riquezas do país”, que se acentuou no “período da ditadura” (1964-1985).

Da mesma forma que boa parte do empresariado de então, “a maior parte da imprensa saudou o golpe euforicamente e forneceu apoio e colaboração ao regime” que, por sua vez, retribuiu às “empresas de meios de comunicação que lhe eram favoráveis”.

Para Jackson Ferreira, “as consequências da ditadura na sociedade brasileira e a configuração social promovida por ela, mesmo tantos anos após o encerramento do regime, não terminaram. É um passado que ainda não passou”, pois os laços da mídia com setores políticos e econômicos “ainda não se desfizeram”.

Os militares “assumiram os interesses econômicos do empresariado como se fossem os da nação; houve grande desenvolvimento da indústria e da classe média alta em detrimento dos assalariados da base da pirâmide desenvolvimentista e das classes populares. Também a indústria cultural passou por grande expansão nesse período, beneficiando-se de fatores propiciados pelo governo: tendência à centralização econômica.”

De acordo com Jakson Ferreira, a “aliança entre ditadura, mídia e setores econômicos tem ainda muita influência sobre a realidade política e social do país hoje e sobre a configuração e a forma de agir da mídia”.

Segundo ele, “ao longo de toda a campanha eleitoral de 2010 a mídia hegemônica, além de apresentar como algo negativo a participação de Dilma Rousseff na resistência à ditadura, agiu de maneira pouco democrática e republicana, com base na concentração e nos interesses que representa, para impor à campanha uma agenda focando apenas em alguns temas e evitando outros, desqualificando qualquer dissenso a respeito da agenda por ela criada”. Existiram, afirma ele, formas de pressão da mídia que visaram “continuadamente tutelar a vida política do país, os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário”.

A atuação da mídia nas eleições: retroalimentação de denúncia e unidade de pauta

As campanhas presidenciais têm sido repetidas pela mídia mediante “a estratégia de agendamento de escândalos” contra os governos do PT e de seus candidatos. Tais escândalos não decorrem, diz Jakson Ferreira, “da intenção louvável de aprimorar o funcionamento da máquina pública, e sim do desejo mal disfarçado de produzir estragos políticos no adversário da vez”.

Há na mídia uma “rede formada por Veja, Folha, Estadão e Organizações Globo”. Entre eles há “uma retroalimentação ou uma espécie de ‘coro’ nas pautas políticas”. Uma hora a Veja denuncia, sendo “repercutida pelo Estadão. De outra feita a Globo denuncia e os jornais correm atrás. É um ciclo de retroalimentação, sempre com objetivos políticos. Informações são misturadas a boatos e ilações. Em um fato são penduradas dezenas de suposições”.

Estabelece-se “uma unidade de pauta e de estratégias da maior parte da imprensa hegemônica”, fazendo com que a diversidade tenda “a desaparecer nas pautas, informações, pensamento, opiniões e formas de abordagens”[1].

2010: a demonização de Dilma e sua associação com a luta armada

Sem contextualizar os movimentos de resistência ao regime militar, como se ele “fosse uma forma de violência qualquer, semelhante a alguma luta que surgisse hoje contra um regime de governo legítimo”, deslegitimando “a resistência à ditadura”, na campanha para a presidência de 2010, a mídia tentou associar a candidata Dilma “à resistência armada” e com o “terrorismo”.

No jornal Folha de S. Paulo, deu-se “importância obsessiva à luta armada”, falando-se “pouquíssimo dos crimes do regime, como as torturas, as mortes, o cerceamento das liberdades de imprensa, de expressão artística e política, o cerceamento do pensamento e da educação, a expulsão de artistas e pensadores do país, a perseguição a movimentos sociais”.

Os dados negativos sobre a ditadura são ocultados, as torturas são suavizadas, elogiando-se o milagre econômico, como se o regime fosse positivo, apesar do arrocho salarial e do aumento da desigualdade social, enquanto “a resistência é sempre referida como algo que tumultuou e promoveu crimes”. Vale dizer, o posicionamento do jornal era ocultar as mortes cometidas pela ditadura e criminalizar a resistência, como enfatizado por Jakson Ferreira.

A insistência de falar da resistência à ditadura “como desqualificativo e como perigo para o país”, objetivava “alimentar rejeições a Dilma Rousseff entre o público que não tem opinião favorável à resistência, à luta armada e ao comunismo, e também entre o público que nem sabe bem o que isso significa e que não conhece a história, mas rejeita tais temas, associados sempre a perigos e ao ‘mal’”.

Tratava-se de demonizar o governo, a candidata Dilma e o PT, pois “a ordem, nas redações da Editora Abril, de O Globo, do Estadão e da Folha de S. Paulo”, era disparar contra eles, “sem piedade, dia e noite, sem pausas”, visando a “produzir uma onda de fogo tão intensa” que fosse “impossível ao governo responder pontualmente às denúncias e provocações”.

Nas páginas da Folha, como observou Jakson Ferreira, “o que pudesse ser arrolado como tema negativo para a candidata do PT, mesmo que fosse assunto irrelevante, ganhava espaço, como o fato de a candidata ter se ‘irritado’ com a pessoa que fazia tradução simultânea em seu encontro com empresários em Nova York”.

Além disso, os números citados pela candidata “eram sempre checados e, sempre que havia brecha, tecia-se uma crítica ou um desmentido, mesmo que se recorresse àquilo mesmo de que se acusava a candidata: distorções de números”.

De outra parte, “os programas sociais do governo federal recebiam sempre algum viés negativo: insuficiência ou caráter ‘assistencialista’ e de ‘dependência’”. Os avanços, quando reconhecidos, eram atribuídos ao governo FHC.

A região Nordeste era apresentada “como a principal beneficiária do Bolsa Família”, dando a ideia de que “os pobres do Nordeste não sabem discernir o voto, são simplesmente comprados pelos benefícios sociais do programa, multiplicam os filhos para receber benefícios e só vão para a escola para recebê-los”[2], como se os mais ricos não formassem sua “opinião política com base em seus interesses econômicos, entre outros interesses imediatos”.

O PAC “foi frequentemente noticiado, com destaque para atraso em obras, problemas ambientais, suspeitas de desvios ou mesmo como um programa inexistente”.

A mídia, ao mesmo tempo em que criticava “Lula e o PT por terem mudado os posicionamentos defendidos na década de 1980”, passava a ideia de que “Lula e Dilma representavam uma ameaça, por serem ‘stalinistas’, ‘castristas’, ‘comunistas’, ‘velha esquerda’, ‘estatistas’, ‘socialistas’ e ‘sindicalistas’”, demonstrando, no ver de Jakson Ferreira de Alencar, um ranço ideológico remanescente do período da Guerra Fria”, assim como fazia em relação à luta armada. Para ele, tal mensagem apresenta “uma lógica binária entre ‘capitalismo’ e ‘comunismo’, bons e maus”.

Ao mesmo tempo, a imprensa tentava “imputar ao presidente Lula a pecha de ‘autoritário’ e qualificar a eventual vitória de Dilma ‘como uma ameaça à democracia’”[3].

Jakson Ferreira destaca que o Jornal Folha de S. Paulo “criticava o governo por ‘julgar-se acima de críticas’; considerava todas as críticas que o próprio jornal recebia como tentativas de cercear a liberdade de imprensa”, enquanto o próprio jornal se julgava “acima de qualquer crítica”.

Florianópolis, 28 de julho de 2014.


Oswaldo Miqueluzzi – Advogado, licenciado em História com pós-graduação em História Contemporânea. Ex-vice-presidente da ABRAT (Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas) – Região Sul. Assessor jurídico da Federação dos Trabalhadores no Comércio no Estado de Santa Catarina.

* Estudo elaborado com base na obra “A ditadura continuada: fatos, factoides e partidarismo da imprensa na eleição de Dilma Rousseff”, de Jakson Ferreira de Alencar. São Paulo: Paulus, 2012, de onde são extraídas as citações aqui feitas.


[1] Para Jakson Ferreira, não teriam participado do coro, na campanha de 2010, “a revista Isto É e os telejornais da Rede Record, bem como a revista Carta Capital. Esta revista divulga em editorial o candidato que apoia, mas não deixa tal opção contaminar a parte informativa, que permanece imparcial, publicando reportagens com temas positivos ou negativos para o candidato que apoia, com argumentos e formas de abordagem consistentes. Outros veículos de imprensa, como a Folha, pelo contrário, não assumem qual candidato apoiam, mas deixam sua preferência contaminar a parte informativa, fazendo denúncias, com gritante carência de consistência de argumentação. Ao mesmo tempo, tentam manter uma imparcialidade aparente”.

[2] Essas informações, alerta Jakson Ferreira de Alencar, não levam em consideração que “há pesquisas que demonstram também que as famílias beneficiadas passam a se organizar mais, os índices escolares delas melhoram, cresce a procura de emprego por parte dessas pessoas em relação à sua situação anterior, e, ao contrário do que diz o jornal, reduzem o índice de natalidade”.

[3] Jakson Ferreira relata que, durante o período eleitoral, “no Rio de Janeiro, cerca de trezentas pessoas, a maioria militares da ativa e da reserva, se reuniram no Clube Militar para analisar os “riscos à democracia”. Os participantes “aplaudiram críticas duras a tentativas de controle da mídia e da cultura e de aparelhamento estatal”. O jornal não menciona, mas os debatedores que participaram desse encontro, em uma instituição marcada pelo apoio ao regime de exceção que censurou e cerceou a imprensa por vinte anos, eram expoentes da imprensa nacional: Merval Pereira, Reinaldo Azevedo e o diretor de assuntos legais da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Rodolfo Machado Moura. O cinismo de defender a liberdade de imprensa diante de pessoas favoráveis à ditadura ou que dela participaram, no espaço de uma instituição que também esteve envolvida no regime de exceção, demonstra que os vínculos entre a mídia tradicional e as ideias da ditadura ainda não haviam terminado”).

Autor: Oswaldo Miqueluzzi

Publicado em 11/08/2014 -

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