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No início do documentário que traz as únicas imagens conhecidas da 1ª Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat), realizada em 1981, chamam a atenção os anônimos que se mostram admirados ao ver o mar, aparentemente pela primeira vez. Alguns parecem se assustar com a aproximação das ondas. Acabaram de chegar. Estão de paletó, carregando malas. Tiram fotos. Os mais de 5 mil delegados do encontro realizado em Praia Grande, litoral sul de São Paulo, são ao mesmo tempo figurantes e protagonistas do DVD lançado oficialmente na noite desta segunda-feira (10), na Cinemateca Brasileira, em São Paulo. São dois documentários: um realizado durante a Conclat, de 21 a 23 de agosto de 1981, e outro feito este ano com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que assiste ao filme de 30 anos antes e faz comentários sobre a conferência – da qual foi um dos principais personagens – e antigos companheiros, acordos e divergências.

Trinta anos atrás, a democracia ainda estava por voltar ao Brasil e o movimento sindical engatinhava após longo período de silêncio. O atual secretário-geral da CUT (central que só seria criada em 1983), Quintino Severo, dava seus primeiros passos no mundo do trabalho. Ele lembra a data exata de seu primeiro registro em carteira: 25 de fevereiro de 1980, como auxiliar de serviços gerais em uma metalúrgica. Mas já trabalhava na roça com os pais, na região de Santa Maria, interior do Rio Grande do Sul, cultivando arroz, feijão, milho, batata. “Era nossa cultura na região”, recorda.

Militante desde o início dos anos 1980, Quintino entrou para a diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de São Leopoldo em 1988. Há dois mandatos, é secretário-geral da CUT. Foi um dos responsáveis pelo lançamento do filme, junto com o coordenador do Centro de Documentação (Cedoc) da central, Antonio José Marques, um entusiasta da memória coletiva. O DVD da Conclat sai em cinco idiomas, além do português (alemão, espanhol, francês, inglês e italiano). “Para correr o mundo e para que todos vejam a construção do movimento sindical”, afirma Quintino.

Em 1981, Djalma Bom, antigo companheiro de Lula no então Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema (atual sindicato do ABC), já era um dos diretores cassados pelo governo e preso com outros companheiros um ano antes, acusados de desrespeitar a extinta Lei de Segurança Nacional. Para ele, a divulgação do filme sobre a Conclat, da qual ele participou, “restabelece nosso direito à memória”.

Além disso, pode servir de reflexão para o movimento sindical brasileiro, acrescenta o ex-metalúrgico da Mercedes-Benz, hoje com 72 anos e aposentado desde 1994. Ele nota sinais de certo “marasmo” nos tempos atuais. Pensamento de um ex-militante, que também foi deputado e vice-prefeito de São Bernardo. Há quatro anos, mora na capital com a mulher, professora universitária. Sobre a Conclat, Djalma lembra do clima de improvisação que dominou o encontro, lembra do frio, mas não deixa de ressaltar a importância histórica daquele que foi o primeiro congresso de trabalhadores em muitos anos, um divisor de águas no sindicalismo brasileiro.

Pérola
O produtor Cláudio Kahns conta que o filme sobre a Conclat foi uma das primeiras realizações da Tatu Filmes, criada justamente naquele ano. “Era um grupo de jovens cineastas que queriam ver os trabalhadores se organizando em plena ditadura”, define. O diretor dos dois documentários (embora destaque o caráter coletivo das obras), Adrian Cooper, resume o trabalho em uma frase: “Foi um grão de areia que se tornou pérola”. O filme original foi feito, conta Adrian no encarte, com “”equipamentos emprestados, alguns poucos rolos de negativo 16 mm, sobras de outros filmes (inclusive utilizando rolos de material já vencido), nossa força de vontade e entusiasmo para descer à Praia Grande””.

Representante de Lula no lançamento do DVD, Clara Ant, que assessora o ex-presidente no Instituto Lula, considera a Conclat um “ensaio gigante de democracia”. Ela também estava lá, como diretora do Sindicato dos Arquitetos de São Paulo. “A minha geração tem o privilégio de viver essa trajetória de reconstrução da democracia no país”, afirmou.

O primeiro filme, que tem 29 minutos de duração, começa com Hugo Perez, na época da Federação dos Urbanitários de São Paulo e atualmente assessor da Força Sindical (criada em 1991), narrando o histórico do encontro. Que de certa forma nasceu quatro anos antes, em 1977, quando os trabalhadores passaram a reivindicar o direito de realizar uma conferência da mesma forma que os empresários, que já haviam feito a sua Conclap (Conferência Nacional das Classes Produtoras). As imagens seguintes mostram o mar, gente carregando suas malas, rumando para instalações que lembram uma obra em construção, tomada por mais de 5 mil pessoas naqueles três dias. A conferência recebeu 5.036 delegados de 1.091 entidades sindicais.

Era de fato uma obra em construção: a colônia de férias do Sindicato dos Têxteis de São Paulo. Aliás, duas: o movimento sindical estava se reconstruindo naquele momento. E preparando a sua pauta de reivindicações por melhores condições de trabalho na cidade e no campo e pelo fim da ditadura.

Vão aparecendo as figuras: Lula, Francisco Alano (presidente da Federação dos Trabalhadores no Comércio no Estado de Santa Catarina) Teotônio Vilela, Luiz Carlos Prestes, José Francisco da Silva (presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, a Contag), Arnaldo Gonçalves (metalúrgicos de Santos), Joaquinzão (Joaquim dos Santos Andrade, do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e adversário do núcleo de sindicalistas que formariam a CUT), Olívio Dutra (metalúrgicos de Porto Alegre), Jorge Bittar (engenheiros do Rio de Janeiro), Hélio Doyle (jornalistas do Distrito Federal). Depoimentos e imagens dão um quadro parcial das polêmicas e debates daquele período de rearticulação do movimento sindical, que criaria a CUT em 1983 e outras centrais nos anos seguintes, até chegar às seis atuais.

“”Divisionista””
O segundo documentário (42 minutos), de certa forma, complementa o primeiro. Ali, o já ex-presidente da República acompanha o filme original, lembra das pessoas que aparecem no vídeo (“Rapaz do céu!”, exclama duas vezes), explica quem era quem e analisa brevemente a situação política daquele momento. “Mané tá velhinho agora…”, comenta. “Parecia um carro velho subindo a ladeira, não engatava nunca o discurso”, fala, dando risada, referindo-se a outro companheiro. “Esse é o Bigode?”, pergunta mais adiante.

Quando o Lula de 1981 aparece na tela, o Lula de 2011 não resiste e exclama: “Puta merda, que cara feio! Se a Marisa vê isso, eu vou ter de agradecer a ela por ter casado comigo”. E, ouvindo o próprio discurso, parece acompanhar cada palavra com o olhar, aprovando suas declarações, às vezes rindo dele mesmo. “Macho, hein?”, brinca, ao ouvir o Lula de 30 anos antes dizer que tem até orgulho de ser chamado de divisionista e exaltando a prática sindical dos metalúrgicos na região do ABC, “de oposição ao regime, ao modelo econômico, aos pelegos”.

Sobre Teotônio, diz que o veterano político, que depois seria chamado de Menestrel das Alagoas por sua defesa da democracia, representa a “evolução da espécie humana”, pois antes “pegava metralhadora” para impedir comícios. Morreria respeitado (em 1983), como um dos símbolos da campanha pelo restabelecimento das eleições diretas para presidente da República. Lula conta ainda que Prestes, o lendário comunista, ficou nervoso com ele porque certa vez o petista o chamou de “Jânio das esquerdas”, por não cumprir a promessa que teria feito de entrar no PT.

No final, lembra da resistência do PCB, do PCdoB e do MR-8 ao PT, que surgira um ano antes e já ocupava espaço como representante dos trabalhadores, concorrendo com os partidos de esquerda tradicionais. “Eles nos chamavam de trotskistas, malucos, anarquistas”, diz, rindo, acrescentando que o modelo comum até então fazia com que os trabalhadores fossem liderados por intelectuais. Divergências e posicionamentos políticos que foram se consolidando posteriormente, ainda durante a ditadura, finda em 1985, até que cada um buscasse o seu caminho, às vezes coincidente, já na fase democrática. “Os princípios básicos do que a gente acreditava estão de pé”, avalia Lula.

Com informações de Rede Brasil Atual

Publicado em 11/10/2011 -

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