Pesquisar

Redes sociais


Print Friendly, PDF & Email

A ministra fala à Revista Época sobre o clima no Planalto, o financiamento da Saúde e a faxina da corrupção


LUIZ MAKLOUF CARVALHO


Desde que saiu do periférico ministério da pesca para a estratégica Secretaria de Relações Institucionais, Ideli Salvatti começa suas manhãs, mesmo as de sábado ou domingo, telefonando para parlamentares, governadores e prefeitos que estejam fazendo aniversário. Na quinta-feira, quando recebeu ÉPOCA em seu gabinete, os contemplados foram os deputados Danilo Forte (PMDB-CE), Fábio Faria (PMN-RN) e Lira Maia (DEM-PA). “Tenho de fazer com que as coisas andem, no Congresso, com os governadores e com os prefeitos”, disse. No momento, uma das coisas emperradas é a regulamentação da Emenda Constitucional 29, que fixa porcentuais mínimos a investir na saúde. Motivo da tensão: o Congresso ameaça votá-la sem apontar as fontes de recursos. Para o governo, isso seria um desatino.  


ÉPOCA – O que mudou no governo desde sua entrada, há três meses, até aqui?

Ideli Salvatti – A situação se modificou significativamente. O desenho que estava não facilitava o fluxo. E, na política, quando não há fluxo, quando não tem o ir e vir das informações, dos sentimentos e dos encaminhamentos, as ações não se concretizam.


ÉPOCA – Não tinha esse ir e vir nos tempos do ministro Antonio Palocci?

Ideli – Não faço avaliação das pessoas, mas do desenho. A presidenta Dilma tinha no ministro Palocci o centro de todo o seu encaminhamento de governo. O ministro Luiz Sérgio (que Ideli substituiu, hoje no Ministério da Pesca) tinha uma autonomia bastante reduzida, assim como o acesso aos encaminhamentos e o próprio contato com a presidenta. O ministro Gilberto (Carvalho, secretário-geral) ficou com suas atividades muito localizadas nessa relação que ele faz com as entidades da sociedade civil.


ÉPOCA – E o que mudou?

Ideli – Passou a ter uma nivelação, uma situação de igualdade de condições de trabalho. Eu, o Gilberto e a Gleisi (Hoffmann, da Casa Civil) temos acesso cotidiano à presidenta, com tarefas e responsabilidades extremamente bem determinadas. A harmonia é grande. Conheço o Gilberto desde 1972, muito antes do PT. Ele e o meu primeiro marido eram colegas de seminário. A Maria do Carmo, que viria a ser a primeira mulher dele, morava na minha casa. Com a Gleisi a história não é tão antiga, mas temos trajetórias semelhantes.


ÉPOCA – Não há disputa de poder entre vocês três, como é de praxe?

Ideli – Não. Temos a cumplicidade boa. Somos pessoas que se conhecem, se respeitam, se gostam e têm uma afetividade muito grande.

ÉPOCA – A presidente se diverte muito com seu conhecido jeito despachado?

Ideli – Aqui só dá para rir. Porque, se a gente for chorar, inunda. Aqui a gente não mata um leão por dia. Às vezes, se mata um leão por minuto.


ÉPOCA – Um desses leões é a Emenda 29, sobre os investimentos na saúde. Qual é sua posição?

Ideli – A presidenta já vem dizendo, exaustivamente, que pura e simplesmente votar a regulamentação da Emenda 29 não resolve o problema de ninguém. Pelo contrário, pode criar problemas. Uma melhoria na saúde implica recursos. É inócuo aprovar qualquer coisa que não tenha fonte para apoiar financeiramente.


ÉPOCA – Esses alertas não acabam irritando os parlamentares?

Ideli – Mas é a verdade. Não adianta a presidenta da República ficar passando a mão na cabeça e dizer: “Olha, vocês estão fazendo o correto”. Não estão.


ÉPOCA – E por que não estão?

Ideli – O projeto de lei é para regulamentar uma emenda constitucional. Essa emenda já estabelece o porcentual que a União, os Estados e os municípios têm de aplicar em saúde. A União cumpre esse porcentual obrigatório. Os municípios, em sua maioria, também. O elo que não cumpre, em sua grande maioria, são os Estados. Que moral tem a oposição, principalmente o PSDB, que tem vários governadores que não cumprem a Emenda 29? Qual é a moral que eles têm para exigir a votação da Emenda 29? Para começar a exigir, deveriam, enquanto governadores estaduais, estar cumprindo. Só votar não resolve.


ÉPOCA – Uns 50 deputados do PMDB, o partido do vice, pressionam pela Emenda 29, sem compromisso com a preocupação da presidente Dilma.

Ideli – É que essa história da Emenda 29 acaba muitas vezes camuflando outras disputas. Há vários parlamentares que são de partidos da base aliada, mas votaram no (José) Serra.


ÉPOCA – E no caso dos aliados do PMDB?

Ideli – A Emenda 29 tem servido como cobertura para uma disputa que, todos sabem, há na bancada do PMDB. Votá-la do jeito como está pode servir para foto, mas não resolve o problema da saúde.


“”Que moral tem a oposição, principalmente o PSDB, que tem vários governadores que não cumprem a Emenda 29?””


ÉPOCA – Como definiria a relação da presidente Dilma com o vice Temer?

Ideli – Do tempo em que estou aqui, a única coisa que consigo vislumbrar é uma cumplicidade crescente.


ÉPOCA – Não exagere…

Ideli – Antes da última reunião do conselho político, ficaram os dois num tricô. Em vários momentos, a gente percebe uma troca de opiniões cada vez mais frequente.


ÉPOCA – Na questão corrupção, a presidente Dilma fez ou não fez uma faxina?

Ideli – A posição dela é clara, explícita e praticada: não há conivência nem tolerância com o malfeito. Combate à corrupção é algo que ela apelidou de ossos do ofício. Está comprovado? Providências têm de ser adotadas imediatamente. Prioridade são as condições de vida do povo. Faxina, como ela disse, é contra a miséria.


ÉPOCA – Há preocupação do governo com a constância das denúncias?

Ideli – A presidenta disse, inúmeras vezes, que nós vivemos num país democrático, onde as instituições existem e estão aí para ser eficientes. Quem investiga são as instituições. Quem julga e quem pune são as instituições. Ninguém tem o direito de executar nem a investigação, nem o julgamento, nem a punição, a não ser as instituições estabelecidas no país. Por isso, da mesma forma como ela não concorda e não admite o malfeito, ela também não admite a injustiça, a execração, o absurdo do “é culpado até prova em contrário”. Então, a presidenta não tem tolerância em relação a isso. Daí a indignação dela no episódio de as pessoas terem sido fotografadas algemadas, em condição humilhante. O denuncismo não deve ser o centro editorial dos veículos da imprensa. A impressão que dá é que, para certos veículos, isso virou a razão de ser. Eles não conseguem sobreviver sem o denuncismo. Como têm de manter isso no foco, acabam sendo levianos, sem embasamento, e, muito pior, sem direito ao contraditório. Já chega disso.

ÉPOCA – A senhora foi alvo de uma denúncia, no caso de uma emenda,quando parlamentar, que transferiu recursos para uma ONG com quem a senhora tinha ligações.

Ideli – Era uma ONG que fez um relevante trabalho social. Isso para mim é elogio. É ridículo que vire uma denúncia. Mas tenho a convicção de que esses ataques submarinos não estariam ocorrendo se eu ainda estivesse no Ministério da Pesca. Eles têm muito a ver com o posto, a tarefa, a responsabilidade que tenho, o local onde estou, essa proximidade tão grande com a presidenta.


ÉPOCA – Um dos pontos mais polêmicos de sua biografia foi ter sido contrária a levar denúncias contra o presidente do Senado, José Sarney, ao exame da comissão de ética. A senhora já se arrependeu daquele momento?

Ideli – Nem um milímetro. Aquele era um movimento com o objetivo único e exclusivo de tirar a governabilidade do governo do presidente Lula. Fiz a defesa em nome da governabilidade.

Publicado em 5/09/2011 -

Siga-nos

Sindicatos filiados