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No hipermercado de uma grande rede, em Guarulhos (SP), muitos consumidores bem que tentam. Permanecem diante dos caixas até que recebam, sem custo adicional, sacolas plásticas para separar, embalar e carregar para casa os produtos que acabaram de comprar. O gerente é chamado. Há bate-boca. Mas não tem jeito. A saída é carregar as compras espalhadas no carrinho até o carro. Ou levar na mão mesmo. Cena semelhante é flagrada no bairro da Lapa, na capital paulista. Um homem entra num ônibus carregando um bolo de aniversário que acabara de comprar num supermercado próximo dali.

 

Episódios como esses têm sido comuns desde 25 de janeiro, quando entrou em vigor um acordo entre a Associação Paulista de Supermercados (Apas), o governo do estado e as prefeituras da capital e de diversos outros municípios paulistas. A maioria desses estabelecimentos deixou de distribuir gratuitamente as sacolinhas – que na verdade já têm seu custo embutido no preço dos produtos.

 

Sem ter sido consultada oficialmente a respeito, a população se vê agora obrigada a tais situações, a menos que leve uma sacola de casa, um carrinho de feira, caixas ou esteja disposta a pagar pelas sacolas de plástico biodegradável que custam por volta de R$ 0,30 a unidade. Ou ainda as chamadas ecobags, bolsas reutilizáveis à venda em toda boca de caixa, com preços variados.

 

Em agosto passado, uma pesquisa do Datafolha mostrou que mais de 80% dos consumidores entrevistados não concordam em pagar pelas sacolas; para 81%, o comércio lucraria com a cobrança; 57% acham que o banimento será prejudicial; e 96% desejam a distribuição gratuita das sacolas biodegradáveis. Segundo a Apas, que tem um site para divulgar o acordo (vamostiraroplanetadosufoco.org.br), foi dado o “pontapé inicial para a prática sustentável, os resultados são positivos e as lojas participantes aprovaram a medida”.

Renato, equilibrando as compras, considera o acordo populista e midiático

A iniciativa começou em 2007, quando o vereador paulistano Claudinho de Souza (PSDB) apresentou projeto para proibir a distribuição gratuita ou a venda de sacolas plásticas a consumidores nos estabelecimentos comerciais da cidade. Aprovada em maio de 2011, a decisão foi suspensa pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

 

Nesse período, leis semelhantes foram aprovadas em outros municípios e também tiveram sua constitucionalidade questionada por órgãos de defesa do consumidor, indústrias e fornecedores de sacolinhas. Um forte argumento é que, a partir de 2014, a Política de Resíduos Sólidos vai disciplinar o setor.

 

Em janeiro do ano passado, o secretário estadual do Meio Ambiente, Bruno Covas, conheceu uma campanha realizada no ano anterior, em Jundiaí, por seu colega tucano prefeito Miguel Haddad, de retirada das sacolas dos mercados. A medida inspirou Rodrigo Maia Santos (PSDB), prefeito de Monte Mor, vizinha a Campinas, a adotar a campanha. De acordo com João Carlos Galassi, presidente da Apas, a substituição das sacolas foi tranquila. “Todos compreenderam a iniciativa da entidade e se mobilizaram. E as medidas nessas cidades têm mais de 70% de aprovação da população.”

 

A dona de casa Valdelice da Silva Lopes, de Monte Mor, está entre os que reprovam a medida que, segundo ela, foi imposta ali sem aviso prévio. “Da noite para o dia as sacolinhas sumiram dos mercados e quem quisesse tinha de comprar”, afirma. “Compro só o que está em promoção para fazer o dinheiro render. E o que economizo vou gastar em sacola?”, questiona.

 

Na capital paulista, o empresário Renato Tonon até que estava ciente da entrada em vigor do acordo, que para ele é “uma medida populista e midiática”. Porém, esqueceu sua sacola em casa, achou desaforo ter que comprar e preferiu o transtorno de levar tudo espalhado no carrinho. “Fui orientado pela operadora de caixa a procurar caixas de papelão no supermercado, mas era impossível encontrar uma. As pessoas agarravam as suas como se fosse algo muito valioso”, conta.

 

O militar aposentado Antonio Messias, de Guarulhos, participou da manifestação de consumidores em grandes supermercados em 25 de janeiro, quando entrou em vigor o acordo entre a Apas e o governo estadual. Como não concorda em pagar pelas sacolas, saiu com as compras na mão. “Essa medida nada tem de ecológica. É uma desculpa que eles encontraram para tirar o custo dos mercados com a distribuição das sacolas e aumentar o lucro vendendo outras”, afirma.

 

Sem amparo

 

Para o advogado Reginaldo Araújo Sena, presidente do Instituto Nacional de Defesa do Consumidor (Idecon), o termo desrespeita a Constituição Federal e a do estado de São Paulo e é um crime contra a economia popular.

 

“Ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão por lei. Esse acordo, que não tem amparo legal, está induzindo a população a crer em proibição das sacolas plásticas comuns e obrigação da compra das biodegradáveis, sendo que é direito do consumidor ter à disposição embalagem limpa e adequada para transportar suas compras sem nenhum custo adicional.” O Idecon preparou uma ação civil pública contra o acordo e uma lista dos mercados que não aderiram ao acordo para informar à população e está organizando protestos de consumidores, principalmente em Guarulhos.

 

O Procon-SP não vê ilegalidade na venda das sacolas e esclarece que o acordo não prevê o fim da distribuição gratuita de sacolas – e sim a retirada daquelas convencionais, de plástico derivado do petróleo.  “O Procon entende como saudáveis medidas em defesa do meio ambiente com a participação de toda a coletividade, incluindo o consumidor. Mas é inadmissível ser ele o único responsável financeiro pela iniciativa. Não somos contra o acordo em si, mas contra a forma que está sendo colocado”, afirma Carlos Coscarelli, diretor-executivo do órgão, vinculado ao governo estadual.

 

Coscarelli observa que a distribuição das sacolas foi incorporada à cultura da população há mais de 30 anos. “Defendemos que toda cultura seja quebrada paulatinamente, com educação, para que a população decida se vai levar sacola de casa ou comprar uma. Assim, aos poucos, vai incorporando novos hábitos.”

 

O diretor diz ainda não haver garantia legal para o fornecimento gratuito das sacolas, porém o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil trazem princípios segundo os quais o serviço prestado pelo supermercado se encerra com a acomodação da compra para o transporte. “A partir do momento em que o cliente fica com a compra na mão, os produtos soltos, está deixando de ser prestado o serviço completo.” É como se de repente uma fornecedora de água encanada passasse a entregar só até a rua e o cliente tivesse de cuidar do resto. “E a cobrança de algo antes gratuito pode ser vista como prática abusiva.”

 

Questionado sobre o lucro que os supermercados terão com a venda das sacolas biodegradáveis, o presidente da Apas desconversa. Segundo estimativas do Sindicato dos Químicos e Plásticos de São Paulo e Região, o ganho não deve ser pequeno. Estão sendo compradas a R$ 0,03 e vendidas por até R$ 0,30. ­

 

Outra projeção do sindicato é o fechamento de 4.000 postos de trabalho em São Paulo, onde há 6.000 empregos diretos e 28 mil indiretos. Osvaldo Bezerra Pipoka, coordenador político do sindicato, considera a retirada das sacolinhas de circulação um presente do governos do estado e de alguns municípios aos cofres dos empresários. “É um oportunismo econômico, e os órgãos de defesa do consumidor já estão de olho. O fim das sacolinhas representa o fim de milhares de empregos, e isso não admitimos”, alerta o sindicalista. “Além disso, é preciso haver seriedade e disposição do governo estadual em debater com empresários e a sociedade a aplicação da política nacional de resíduos sólidos até 2014, como determina o plano anunciado no ano passado.”

 

Efetividade ecológica

 

A efetividade da medida na preservação ambiental também merece atenção. É indiscutível o impacto dos plásticos no meio ambiente. Estima-se que os moles, entre eles as sacolas e embalagens de alimentos, correspondem a 20% do lixo nas grandes cidades. Ao mesmo tempo, porém, são o suporte utilizado pela maior parte da população para acomodar o lixo doméstico.

 

Com seu banimento, o consumidor terá de comprar sacos plásticos específicos para esse fim. Além desse ônus – há indicação de aumento no preço do produto –, os sacos em nada protegem o meio ambiente.

 

O secretário Bruno Covas argumentou durante um debate no mês passado que esses sacos são mais adequados para acondicionar o lixo e “são degradados mais rapidamente na natureza, por serem feitos com material reciclado”. Mas não é bem assim. “Feitos com plásticos da mesma família usada nas sacolinhas, mesmo sendo reciclados apresentam características semelhantes”, explica o professor Derval dos Santos Rosa, da Universidade Federal do ABC (UFABC). Rosa é doutor em Engenharia Química com experiência em polímeros, classe de substâncias sintéticas na qual estão incluídos os plásticos.

 

Igualmente agressivos são outros sacos plásticos, como aqueles finos, disponíveis no setor de hortifruti, que têm tudo para se espalhar ainda mais. Sem as sacolinhas, muita gente tende a usá-los nos passeios com o cachorro, por exemplo. “Geralmente uso sacolas e sacos para recolher a sujeira que a Maggie faz quando a levo para dar uma volta”, diz a professora paulistana Paula de Moraes. Para ela, a medida é inócua porque outros estabelecimentos, como padarias, farmácias, lojas e bancas de jornal, continuarão ­distribuindo.

 

Outro viés discutível é a utilização das caixas de papelão disponíveis nos mercados para levar as compras e posteriormente acomodar o lixo doméstico. Com a umidade, a caixa se desfaz e espalha tudo o que estiver dentro dela, inviabiliza a reciclagem do papelão e agrava o problemas dos resíduos. Em Monte Mor, segundo a moradora Valdelice da Silva Lopes, já se vê lixo nas ruas por causa das caixas de papelão desmanchadas­ ­pela chuva.

 

O comércio, por sua vez, ao se ver livre da logística necessária para o descarte, transfere ao consumidor a responsabilidade pela sua destinação, o que oferece risco à saúde. Um estudo divulgado em 2009 por uma empresa especializada em higiene ambiental mostra que, por serem mantidas em locais sem higienização adequada, as caixas apresentam alto grau de contaminação por coliformes totais, fecais e pela bactéria E. coli (Escherichia coli), que pode causar diarreia e outras doenças. A contaminação, aliás, está presente também em muitas sacolas de tecidos, conforme a pesquisa.

 

Falta reciclagem

 

 “A produção e distribuição das saco­linhas não é o problema, e sim a forma como o lixo é tratado e raramente reciclado na cidade de São Paulo”, aponta ­Lourival Batista Pereira, da Secretaria de Saúde e Meio Ambiente do ­Sindicato dos Químicos. “Por que não se ­pensa em leis para coleta de lixo eletrônico, pneus, óleo e outros materiais jogados diretamente no meio ambiente?”, questiona.

 

O engenheiro Miguel Bahiense, presidente da Plastivida Instituto Sócio-Ambiental dos Plásticos, entidade do setor que promove a utilização ambientalmente correta dos plásticos, entende que o governo impõe uma medida sem investir na educação e conscientização da população para o grave problema da contaminação ambiental pelos plásticos em geral. “Se não houver gestão pública efetiva para a coleta seletiva e para a redução do consumo, vamos continuar a ver o aumento da produção do lixo”, afirma, alertando para o aumento do consumo proporcionado pelo crescimento econômico do Brasil.

 

“É ingênuo acreditar que o problema do plástico reside somente nas sacolinhas de supermercado, quando recebemos sacolas plásticas em quase todo o comércio e temos ainda embalagens, brinquedos, acessórios e vários outros objetos de plástico também descartados incorretamente”, opina o biólogo carioca Breno Alves, que com o colega Luiz Bento edita o blog Discutindo Ecologia. Para ele, a complexa questão da produção de lixo urbano requer conscientização para o uso de alternativas, que não pode se resumir no uso de ecobags.

 

Sacolas de feira antigas, de lona ou outro material resistente, já usadas há décadas, receberam esse nome em função do apelo da proteção do meio ambiente. No entanto, uma pesquisa britânica divulgada recentemente mostra que a matéria-prima utilizada em sua fabricação é 200 vezes mais agressiva que a do plástico comum. O blogueiro considera que a ­preocupação com  o meio ambiente é algo mais sério do que “parecer descolado e andar com o artigo que virou moda”.

 

“Foi criado um mercado. Há pessoas que têm uma para cada situação. E, como geralmente esquecem em casa, compram uma diferente toda vez que precisam. Desperdício mais nocivo que o das sacolinhas”, critica.

 

Breno não estranha os políticos escolherem um vilão como panaceia de todos como forma de amenizar sua inoperância. “É como afirmar que a causa da violência no Rio de Janeiro é a favela e, assim, decretar seu fim.”

 

Estanislau Maria, coordenador de conteúdo do Instituto Akatu para o Consumo Consciente, enxerga dois pontos positivos na restrição às sacolinhas: a reflexão sobre o desperdício e o despertar da população para a necessidade de políticas públicas para a gestão do lixo.

 

“A população geralmente se sensibiliza para as questões quando tem de pôr a mão no bolso. Ao pagar pela sacola, vai desperdiçar menos e passar a refletir também sobre o uso de outros descartáveis, mudando assim sua maneira de consumir”, acredita. Além disso, segundo Estanislau, poderão ter início pressões sobre o poder público em prol da reciclagem. Segundo o IBGE, menos de 2% do lixo reciclável gerado nos municípios é reaproveitado. Outro dado, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), revela que, se houvesse 100% de reciclagem, o Brasil deixaria de jogar no lixo algo em torno de R$ 8 bilhões anuais.

 

Rede Brasil Atual

Publicado em 17/02/2012 -

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