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“Menos de 70% das negociações nos primeiros seis meses do ano conquistaram ganhos reais e cerca de 15% delas não conseguiram nem repor a perda salarial ocorrida nos 12 meses anteriores.” A constatação é do DIEESE, que emitiu Nota Técnica listando razões para a obtenção de ganho real de salários na conjuntura vivida no Brasil. Veja a íntegra da Nota e conheça essas boas razões.

Ganho Real de Salário

Nota Técnica

Vinte motivos para a manutenção de ganhos reais dos salários

Introdução

O Brasil vem crescendo pouco nos últimos anos e deve encerrar 2015 com recuo na produção de riqueza, ou seja, o Produto Interno Bruto (PIB) deste ano será inferior, em termos reais, ao de 2014. As consequências da recessão econômica, em combinação com uma inflação mais alta que a média dos últimos anos, têm tornado as negociações coletivas ainda mais difíceis do que já são normalmente. Os resultados das negociações no primeiro semestre, apurados pelo Balanço das Negociações, do DIEESE, comprovam estatisticamente a deterioração do quadro. Menos de 70% das negociações nos primeiros seis meses do ano conquistaram ganhos reais e cerca de 15% delas não conseguiram nem repor a perda salarial ocorrida nos 12 meses anteriores. Ademais, os reajustes acima da inflação concentraram-se na faixa de até 1% de ganho real. O desempenho das negociações no primeiro semestre foi o pior da série histórica pesquisada pelo DIEESE, desde 2004.

Este quadro adverso coloca em risco os ganhos reais de salários e a melhoria da distribuição de renda, importantes conquistas dos últimos anos.

Como subsídio para a reversão deste cenário de dificuldades, são listadas, a seguir, algumas boas razões para a obtenção de ganho real de salários nesta conjuntura.

Manter os ganhos reais e vencer a crise

  1. Os salários no Brasil são efetivamente muito baixos. Isso por si só é razão suficiente para que os trabalhadores e o movimento sindical busquem permanentemente o aumento real nos salários;
  1. Além disso, as empresas já vêm ajustando seus custos com mão de obra via redução do quadro de pessoal e também através do rebaixamento salarial por meio da enorme rotatividade que caracteriza o mercado de trabalho no Brasil. Em períodos de crise, inclusive, aumenta a diferença entre a média dos salários de demissão e de contratação. O achatamento do salário real, decorrente da reposição salarial abaixo da inflação, irá agravar ainda mais a situação da economia, na medida em que contribui para um desaquecimento maior do mercado interno. Em um cenário em que a economia não cresce, o governo reduz os seus gastos, a taxa de desemprego aumenta. Se o salário não tiver ganho real, a conjugação desses fatores levará a uma redução ainda mais forte no consumo, conduzindo a economia a uma espiral negativa, puxada pela redução da demanda agregada;
  1. Os dados do mercado de trabalho formal revelam que as empresas já realizaram cortes expressivos nos quadros de pessoal. Nos últimos 12 meses encerrados em julho, o mercado de trabalho formal fechou 778 mil postos, principalmente na indústria (427 mil) e na construção civil (355 mil), segundo os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados do Ministério do Trabalho e Emprego (Caged-MTE). Neste momento, em função da crise, muitas empresas reduzem o custo das folhas de pagamentos acima do que seria proporcional à queda das vendas, como estratégia para se preparar para uma piora no quadro econômico. Isso significa que os empregados que se mantiveram no emprego terão que compensar, pelo menos em parte, a ausência dos trabalhadores demitidos, o que significa elevar a produtividade do trabalho;
  1. O peso da despesa com pessoal no custo total das empresas, de modo geral, é baixo (especialmente para as grandes empresas). Isto significa que o impacto na alteração das despesas com pessoal, para cima – aumento real – ou para baixo – perda salarial -, pode ser muito reduzido para as empresas, Outros aspectos que têm impacto sobre o custo, como juros e câmbio, por exemplo, são muito mais significativos para as empresas;
  1. Nem todos os setores estão em crise, e os impactos desta são muito diferenciados de setor para setor. Como pode será mostrado mais à frente, vários setores da economia obtiveram lucros expressivos no primeiro semestre. Ademais, a crise também não é sentida da mesma forma em todo o Brasil. Há municípios, estados e regiões que estão sendo mais ou menos atingidos. Peculiaridades locais e setoriais devem ser levadas em consideração nas mesas de negociação;
  1. A aplicação do ganho real nos salários possibilita a ampliação do nível de rendimentos das famílias, que tem sido o pilar da melhoria da distribuição de renda no Brasil nos últimos anos. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2013, no Brasil, 74,4% da renda familiar advém do trabalho. Neste contexto, uma melhoria dos salários reais exerce efeito imediato sobre o nível de bem-estar das famílias, com efeito sobre saúde, educação e até mesmo sobre a produtividade do trabalho;
  1. Economias desenvolvidas social e economicamente, como aspira ser o Brasil, pressupõem mercados consumidores robustos. Daí a importância de se manter o crescimento do emprego e da renda. Uma das razões das crises econômicas contemporâneas é a incapacidade de a sociedade consumir produtos e serviços, em decorrência do desemprego da força de trabalho. As crises cíclicas do capitalismo são de superprodução, ou seja, de um lado uma grande capacidade produtiva ociosa – porque faltam consumidores – e de outro uma grande quantidade de pessoas querendo consumir, mas sem dinheiro para fazê-lo;
  1. A ampliação do nível de renda das famílias pode abreviar o atual período recessivo do ciclo econômico, porque possibilita a melhora da distribuição de renda e dos níveis de consumo. Evita, assim, que o empobrecimento das famílias alimente e prolongue o processo recessivo. A melhora na distribuição de renda, via aumento dos salários, garante que a recuperação econômica seja antecipada, impedindo um ciclo vicioso de aumento do desemprego, queda nos salários reais, redução da demanda efetiva e consequente queda do nível de atividade, que realimenta todo esse processo;
  1. Aumento de salários não provoca necessariamente uma redução dos lucros. Como a distribuição da renda é um determinante essencial do nível de consumo na economia, quando há um processo de concentração da renda, via, por exemplo, compressão de salários reais, a demanda é afetada negativamente, aí sim, atingindo os lucros;
  1. Os trabalhadores, que vinham tendo ganhos reais nos últimos anos (ainda que modestos), não irão aceitar perdas sem mobilização. Dados preliminares do Sistema de Acompanhamento de Greves (SAG-DIEESE) mostram que, em 2013 (o levantamento ainda não foi fechado), foram registradas cerca de 2.050 greves, o que corresponderia ao maior registro da série histórica do Sistema organizado pelo DIEESE. Se os empresários insistirem em transferir os efeitos da crise para os salários, é possível haver forte reação sindical, com a organização de greves e outras formas de mobilização. Isso, por suposto, não interessa às empresas;
  1. Mesmo com importantes diferenças setoriais, as empresas ganharam muito dinheiro nos últimos anos, em razão do efeito virtuoso sobre a demanda agregada do aumento do emprego e dos salários reais. A grande conquista da sociedade brasileira nos últimos anos foi a expansão inédita do mercado consumidor interno, nosso grande trunfo contra a crise mundial instaurada a partir de 2008. No atual contexto de persistência da crise mundial, nosso vasto mercado interno é dos mais valiosos ativos que o país possui. Ao invés de reduzi-lo, é fundamental ampliá-lo;
  1. Com a fortíssima desvalorização do Real verificada nos últimos meses, há um encarecimento das importações e um barateamento em dólares dos nossos produtos de exportação, o que amplia nossos mercados no exterior. Neste sentido, a mudança no patamar cambial abre horizontes para as empresas nacionais, tanto as exportadoras como para aquelas cuja produção é voltada exclusivamente ao mercado interno, na medida em que há redução na concorrência com os produtos importados;
  1. É fundamental que as taxas de juros comecem a baixar. A justificativa que tem sido dada para a manutenção das maiores taxas de juros reais do planeta é o “combate à inflação”. Os juros altos serviriam para esfriar a demanda, o que reduziria a margem de manobra para a indústria e o comércio aumentarem seus preços. Só que, no caso do Brasil, esse diagnóstico absolutamente não se aplica. O tipo de inflação que temos no Brasil decorre da oligopolização da produção e do comércio, da indexação de boa parte dos preços, dos aumentos dos preços de alimentos (decorrência, por exemplo, da maior seca vivida pelo país nos últimos 80 anos), do preço abusivo das tarifas etc. Não se trata, portanto, de uma suposta superaceleração do consumo, não seguida pelo aumento da oferta de produtos e serviços. A tese de que se irá controlar a inflação com juros estratosféricos não tem base técnica. É muito mais uma construção político-ideológica, que visa exclusivamente manter os privilégios de uma casta rentista, com visíveis prejuízos ao país;
  1. O ajuste proposto pelo governo projeta economizar R$ 70 bilhões em cima dos brasileiros mais pobres, para garantir a política de superávit primário (saldo positivo entre receitas e despesas operacionais do governo). Esta política – que aparece como intocável, praticamente não se discute – interessa basicamente ao setor financeiro e aos credores em geral da dívida pública brasileira. Atualmente, a chamada Dívida Líquida do Setor Público, que corresponde a pouco mais de um terço do PIB, transfere na forma de juros o equivalente a quase 6% do PIB para os credores da dívida, algo superior a R$ 300 bilhões, todo ano (nos últimos 12 meses foram R$ 377 bilhões, 6,7% do PIB). Esse total corresponde a uma verdadeira fortuna, que equivale a mais de 10 vezes o orçamento do Programa Bolsa Família (Programa que retira 55 milhões de brasileiros da fome), obtidos por rentistas que não produzem sequer um parafuso e nem colocam o pé na fábrica. Mesmo assim, alguns temem discutir a política de realização de superávit primário no Brasil, para não causar “transtornos no mercado”;
  1. O Brasil vem crescendo pouco, arriscando as conquistas dos últimos anos, entre outras razões porque somos “campeões mundiais” em taxa de juros. Isto num contexto em que boa parte dos países do mundo vem praticando taxa de juros reais negativas (abaixo da taxa de inflação) ou muito baixas. Não há economia que consiga deslanchar com a combinação de superávit primário elevado e as maiores taxas de juros do planeta. Com a economia mundial enfrentando a pior crise dos últimos 86 anos, a política de juros estratosféricos e as transferências de recursos públicos aos rentistas representam uma espécie de rendição ao capital financeiro;
  1. Enquanto a economia brasileira patina, o lucro líquido dos bancos no primeiro trimestre de 2015 (lucro somado das maiores instituições financeiras em ativos totais – Banco do Brasil, Itaú Unibanco, Bradesco e Santander) alcançou R$ 14,7 bilhões, alta de 24,2% em 12 meses. Enquanto isto, no mesmo período, o setor financeiro demitiu 6 mil trabalhadores. Expansão de lucro líquido de 24% em um contexto em que a economia não cresceu revela o quanto o sistema financeiro está descolado do ciclo produtivo do país e quanto a política monetária está voltada para garantir o lucro dos rentistas;
  1. Mas não é apenas o setor financeiro que, mesmo com a crise, tem apresentado ótimos resultados. Segundo a consultoria Economática, no segundo trimestre deste ano, 321 empresas de capital aberto, no Brasil, acumularam lucro de R$ 41,9 bilhões, alta de quase 15% em relação aos R$ 36,5 bilhões obtidos no mesmo período de 2014. Os bancos lideraram os ganhos, com lucro de R$ 19,15 bilhões, uma alta de 43% sobre o resultado do setor no segundo trimestre do ano passado. Além dos bancos, entre os setores mais lucrativos estão mineração (R$ 5,09 bilhões), alimentos e bebidas (R$ 3,25 bilhões), energia elétrica (R$ 3,12 bilhões), telecomunicações (R$ 2,33 bilhões), seguradoras (R$ 1,62 bilhão), papel e celulose (R$ 1,35 bilhão) e indústria química (R$ 1,35 bilhão). Apesar de todo o alarido da crise, os dados da Economática mostram ainda que, das 60 empresas que vendem ações na Bolsa de Valores de São Paulo, 33 tiveram aumento de lucratividade, 27 tiveram queda do lucro (mas tiveram lucro) e apenas cinco registraram prejuízo no 2º trimestre, na comparação com 2014.
  1. O aumento real médio dos salários, considerando os dados do Sistema de Acompanhamento de Salários do DIEESE (SAS), desde 2008 (série com painel fixo), tem se mostrado inferior ao crescimento da economia. Isso significa um movimento concentrador e não distribuidor de renda para os salários, que cresce cada vez mais, a medida que os salários se distanciam do salário mínimo (onde, aí sim, os aumentos incorporaram o crescimento da economia). A redução da desigualdade de renda deve ser buscada também pela via da disputa salarial;
  1. Muitos empresários/entidades patronais argumentam que o reajuste salarial pode implicar uma redução do número de postos de trabalho. Todavia, nenhum está disposto a negociar a estabilidade no emprego ou mesmo a manutenção do nível de emprego, em um cenário de manutenção ou até mesmo redução dos salários reais. Sendo assim, não há motivos para que os trabalhadores que continuam no emprego tenham seu poder de compra reduzido, ou não lutem por aumentos;
  1. Em alguns setores, a variação cambial tem mais impacto nos custos da empresa do que os salários. Com a desvalorização do Real, reduz a participação dos salários nos custos de produção, nos setores que dependem de matérias primas e insumos importados. Nesses setores, aumentos reais teriam impacto ainda menor na composição dos custos das empresas. E, no caso das empresas exportadoras, há margem para aumentos de salários, dado que suas receitas são crescentes em Reais, dada a desvalorização da moeda frente ao dólar e a consequente ampliação das exportações.

 

Fonte: DIEESE – Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos ERSC – Escritório de Santa Catarina

Publicado em 30/09/2015 - Tags:

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