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A comunidade global deve reconhecer que num mundo interdependente, país algum pode agir isoladamente. Não é possível para todos os países gerarem mais superávit primário ou melhorar sua competitividade internacional ao valorizar sua moeda ou cortar custos. O avanço de uma nação é o recuo de uma outra. A cooperação global e a regulação são imperativas. A Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad) sugere três passos iniciais para isso.

Unctad – Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento

Relatório político n° 4 da Unctad (Outubro/2008)

Com os mercados do mundo absorvendo as primeiras ondas da continuidade da crise financeira, a atenção se volta para as maneiras de administrar coletivamente o desenrolar do desequilíbrio global e para prevenir a turbulência sistêmica. Isso é algo que a UNCTAD tem advogado mesmo durante a exuberância irracional gerada pela especulação ilimitada.

Num mundo interconectado, nenhum país pode agir isoladamente – um princípio que tem estado no coração da mensagem de interdependência da UNCTAD, desde sua origem e que não pode ser mais apropriado, nestes dias. Este relatório político argumenta que a cooperação global e a regulação são imperativos tanto no comércio como na finança, e que a ONU é a organização internacional com mais crédito para liderar o projeto, a discussão e para reunir esses esforços.

Grandes problemas nos mercados locais

A crise financeira continua a se espalhar pelas regiões, países e setores de atividade, a despeito das medidas desesperadas tomadas pelos governos para conter o lixo tóxico e prevenir o contágio. Mas, parar o processo de desaceleração global revelou-se difícil, enquanto as posições especulativas de milhões de lares e companhias se desenrolam num número importante de mercados. O choque da proximidade de um derretimento no sistema financeiro norte-americano e noutros sacudiu profundamente a crença segundo a qual os negócios iriam rapidamente voltar aos mercados; e as expectativas de que a geração de capital pode ocorrer sem assumir riscos excessivos nos investimentos desapareceu.

A desaceleração é claramente tão necessária como inevitável. Quando as posições especulativas tiverem se aclarado, os preços vão, na maioria dos casos, ser melhor alinhados com os fundamentos sustentados na oferta e na demanda. Contudo, os efeitos de curto prazo do giro de preços e no câmbio não deve ser subestimado. Em muitos casos as economias familiares e empresariais podem provavelmente ajustar com facilidade seus balancetes, reduzindo sua exposição a altos riscos e a obrigações de dívida – presumindo que têm tempo suficiente para fazê-lo.

Se, por outro lado, o preço das ações ou a taxa de câmbio lhes for prejudicial, num curto intervalo de tempo essas mesmas economias podem ser jogadas na inadimplência. O fogo que os governos estão apagando atualmente implica, assim, o difícil equilíbrio entre deixar que o fogo consuma o que em todo caso não dá para salvar, enquanto também protege aquelas partes do edifício que são mais vitais e que podem eventualmente ser reconstruídas.

Os eventos das semanas recentes trouxeram à tona a gigantesca má alocação de recursos que se acumulou ao longo da década passada de liberalização financeira ilimitada e deliberada não-intervenção dos governos nos aparentemente eficientes mercados financeiros. Por exemplo, como a UNCTAD registrou repetidamente desde 20041, a especulação nos mercados de moeda – os assim chamados “carry trade” – claramente moveu muitas taxas de câmbio na direção errada ao longo do tempo.

Contrariamente às previsões da teoria econômica mainstream, o mercado de moedas não equilibra efetivamente as posições competitivas das nações. Antes, eles estão as afastando de um equilíbrio total, ao permitir a arbitragem descoberta da taxa de diferencial de juros. Isso intensificou o desequilíbrio global visível em muitos déficits em conta corrente e em superávits e na exposição de muitas economias domésticas e de companhias ao risco, como resultado de inconversibilidades monetárias. A dramática evolução da situação da Islândia é apenas a mais recente descoberta da ponta desse gigantesco iceberg.

Da mesma maneira, a especulação nas commodities primárias também está se tornando clara em termos de vantagens e desvantagens. Está cada vez mais claro que o tremendo aumento de preços da alimentação, dos metais, petróleo e outras commodities primárias desde a metade de 2007 foi dirigido principalmente pelos assim chamados “fundos indexados”(2).

Com a correção extremamente atrasada desses preços, contudo, a situação de muitos produtores de commodities nos países em desenvolvimento rapidamente se deteriorou. Além disso, para reduzir as receitas das exportações, essa correção desvaloriza um bom acordo entre investimento em equipamento e infraestrutura feito pelo boom da demanda e pelo rápido crescimento da renda nos últimos anos. Para os países que dependem da importação de commodities, a queda de preços é bem vinda: ela leva em conta os grandes gastadores em produtos manufaturados ou serviços, os quais podem fornecer algum alívio para os setores produtivos domésticos, antes maltratados com a manutenção da bolha sobre os preços das commodities e, mais recentemente, prejudicados pela crise financeira.

…Mas só soluções globais podem ajudar.

Os gráficos mostram uma dose de correlação ao longo das últimas semanas entre a diferença de preços – uma correlação explicável apenas pela especulação interrelacionada nas commodities, moedas e mercados de ações. Moedas de países como Hungria, Islândia e Brasil vêm sofrendo pressão para forte desvalorização. Muitos residentes destes países têm dívidas em moedas estrangeiras com baixa taxa de lucro, como o franco suíço ou o yene japonês, ao passo que a grande maioria dos ativos domésticos é sustentada por estrangeiros que foram atraídos pelas altas taxas de lucro, e pela valorização da moeda ao longo dos últimos meses e anos – uma situação claramente insustentável.

O valor real e nominal da moeda leva a uma deterioração da posição competitiva dos países, resultando no aumento do déficit em conta corrente. Ao mesmo tempo, quase todos os preços de commodities e do mercado de ações sofrem com a pressão de que se espalhe a percepção de que o mundo estava à beira de uma explosão de recessão e que uma pequena queda na atividade real não pode ser evitada apenas com medidas políticas voltadas para aplacar a crise financeira.

A comunidade global deve reconhecer que num mundo crescentemente interdependente, em que mercados financeiros estão tão proximamente ligados pela tecnologia, país algum pode agir isoladamente. Simplesmente não é hoje possível para todos os países gerarem mais superávit primário ou melhorar sua competitividade internacional ao valorizar sua moeda ou cortar custos. O avanço de uma nação é o recuo de uma outra. A cooperação global e a regulação são imperativas – não apenas no comércio, mas também na finança.

Assim como o comércio internacional de bens e serviços requer regras previsíveis baseadas numa estrutura multilateral, um sistema estável para a finança global pode ser alcançado somente através de um tratamento multilateral. O fracasso dos governos em perseguir esse tratamento é a primeira razão para os apuros em que estamos metidos. E as implicações para esses problemas se estendem para muito além do reino dos bancos e da regulação financeira; elas chegam ao coração da questão de como reviver e estender o multilateralismo num mundo globalizado.

À luz dessa interdependência global, uma vez que o incêndio no setor bancário das economias desenvolvidas tenham acabado, três passos políticos devem ser dados:

O primeiro e mais urgente é que a comunidade internacional deve ajudar os países cujas taxas de câmbio têm estado sob pressão. Esses são os países menores que a especulação ilimitada levou à supervalorização monetária, e que agora são incapazes de estabilizar suas taxas de câmbio em níveis razoáveis, enquanto o pânico geral do mercado ameaça levar essas moedas a níveis de desvalorização fundamentalmente insustentáveis. Nesses casos, a assistência deveria tomar a forma de arranjos provisórios, incluindo a intervenção direta no mercado de moedas por meio de contrapartes – i.e., desses países em que a taxa de câmbio é valorizada.

Segundo, a comunidade internacional deve ajudar os países dependentes de commodities em que a especulação ameaçou dirigir os preços para níveis muito mais baixos do que se havia alcançado antes do pleno desvelamento da especulação internacional, no verão de 2007. Aqui, a ajuda pode tomar a forma da intervenção direta nos mercados, tanto como subsídio quanto como empréstimo para estancar e estabilizar a rápida queda nas receitas.

Terceiro, todos os países com baixas e declinantes taxas de inflação devem adotar medidas contracíclicas imediatamente, em termos de estímulos fiscais e cortes nas taxas de juros.

Porém, mesmo que algumas ações imediatas possam ser tomadas nessas áreas, a probabilidade de uma aguda e prolongada retração na economia global permanece alta. Felizmente, os políticos de muitos países desenvolvidos estão prontos para apagar o fogo em casa. Infelizmente, contudo, a grande fumaça em casa lançou uma nuvem sobre seus olhares para os vizinhos de muro. A consciência do grau de interdependência e da relação próxima dos incêndios em países em desenvolvimento tem sido até agora mínima. Mas como o sinal de alarme começou a tocar e a fumaça começa a se desfazer, as necessidades desses parceiros comerciais pode rapidamente tornar-se evidente.

Tendo apagado um dos grandes incêndios, a comunidade internacional deverá refletir cuidadosamente sobre as opções para a reforma do sistema. Dados os canais abertos entre comércio internacional, sistemas financeiros e bancários, uma verdadeira global, cooperativa e não-partidária aproximação para atacar as questões mais importantes, como commodities e especulação monetária deve ser encontrada. Mas os países em desenvolvimento têm apenas uma voz limitada nas instituições financeiras internacionais. A instituição global que possui maior credibilidade para implementar essa agenda é, portanto, mais do que nunca, a Organização das Nações Unidas.

(1) O primeiro aviso ocorreu em Trade and Development Report, 2004, e foi repetido e reforçado em Trade and Development Report, 2007. Um outro tratamento adiantado da crise por parte da UNCTAD apareceu em Nota do secretariado da UNCTAD sobre o desenvolvimento recente dos mercados financeiros globais (TD/B/54/CRP. 2).

(2) Mais uma vez, a UNCTAD observou antecipadamente que essas mudanças nos “fundamentos” não eram suficientes para explicar a explosão nesses preços num espaço de tempo tão curto. Ver, Trade and Development Report 2008.

Tradução: Katarina Peixoto

Site Agência Carta Maior – www.cartamaior.com.br

Autor: Relatório político n° 4 da Unctad (Outubro/2008)

Publicado em 31/10/2008 -

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