Confirmada a vitória eleitoral de Ollanta Humala, os grandes meios de comunicação internacionais e brasileiros estamparam seu sentimento com manchetes e matérias em duas direções: “mal menor” e “reação do mercado”.
O povo peruano não votou majoritariamente no mal menor entre Humala e Fujimori. Elegeu conscientemente Ollanta Humala como seu presidente. Já em 2006, Humala saiu à frente no primeiro turno contra Alan Garcia, obtendo 30,6% contra 24,3%. No segundo turno, contra tudo e contra todos, com frágil base partidária, isolado e sem poder montar alianças, perdeu para Garcia por 52,6% contra 47,3%. Desta vez, contando com o apoio dos partidos de esquerda e seu próprio Partido Nacionalista melhor estruturado, Ollanta obteve no primeiro turno contra quatro fortes opositores – Alejandro Toledo, ex-presidente; Pedro Pablo Kuczynski, ex-ministro e apoiado pelo empresariado; Keiko Fujimori, filha do ex-presidente Alberto Fujimori; Luis Castañeda, ex-prefeito de Lima – robustos 31,7%. Ou seja, insistentemente um terço do eleitorado votava por um ‘bem maior’. No segundo turno, conquistando adesões de setores da classe média e de personalidades políticas, alcançou a vitória com 51,5% contra 48,5% de Keiko.
O voto consciente evidenciou-se também nas eleições parlamentares, que se feriram no mesmo dia do primeiro turno: a coalizão Gana Peru de Humala, de um parlamento unicameral de 130 assentos, obteve 47 cadeiras, tornando-se o maior agrupamento partidário, majoritário, embora com maioria relativa; a Fuerza 2011 de Fujimori, 37; Peru Posible de Toledo, 21; Alianza por El Cambio de PPK, 12; Solidaridad Nacional de Castañeda, 9; APRA de Alan Garcia, 4.
Quanto à reação do mercado, em especial dos especuladores, não passa de terrorismo econômico. Como o foi o anúncio de que latas de leite irão escassear nos supermercados. A postura da mídia, ao destacar a voz do mercado, simplesmente reflete os interesses das classes dominantes, ao mesmo tempo em que adverte como vão atuar: ‘está bem, você ganhou, mas as regras do jogo nós é que estabelecemos’. Quando os privilégios dessa gente, que vive apregoando seu amor à democracia, à liberdade, aos direitos, são ameaçados, mandam às favas todos esses valores, dão as costas à voz do povo, partem para a violência institucional.
Todos os meios de comunicação de massa, impressos, televisivos e radiofônicos do Peru, com exceção do jornal La Republica, tudo fizeram para impedir o triunfo de Humala. O diário centenário El Comercio, porta-voz das elites locais e que detém uma poderosa rede de mídia, assumiu com total desfaçatez o papel de partido político anti-humala, distribuindo sem cerimônia as mais grosseiras calúnias e infâmias contra o candidato da coligação Gana Peru, batendo na tecla de sua ligação íntima com o presidente Chávez e praticamente orientando ideologicamente a campanha eleitoral de todos os demais concorrentes. Enfim, um exemplo acabado de campanha suja. E também não é segredo para ninguém que o Departamento de Estado desencadeou todo um esforço político, financeiro e de propaganda para evitar que alguém de fora do establishment assumisse a presidência. Estamos falando, por exemplo, de Roger Noriega, conhecido homem-forte da diplomacia norte-americana para a região, que denunciou ter Humala recebido 12 milhões de dólares de Chávez para financiar sua campanha. E da CNN. Quem assistiu à entrevista da âncora Patrícia Janiot com Humala presenciou uma bateria de perguntas, na verdade interrogatório, que expressavam as preocupações de Washington. Alan García também não foi um mero espectador. Valeu-se da máquina do Estado para engrossar a campanha direitista com o fim de derrotar Humala.
Muito se fala do sucesso do crescimento econômico do Peru que na última década alcançou a média de mais de 7% ao ano. Um verdadeiro “milagre peruano”. Não deixa de ser expressivo que apesar do milagre o Peru não tenha conseguido reduzir a pobreza e a extrema pobreza nem a desigualdade social, tampouco enfrentar a lógica da acumulação capitalista que gera a concentração da riqueza e polariza a sociedade. A participação salarial no Peru é de 22 por cento do PIB contra cerca de 44 por cento no Brasil. A porcentagem de trabalhadores informais é extraordinariamente alta, mais da metade da força de trabalho.
Aqui cabe a pergunta: o que quer dizer “milagre econômico”. Altos índices de crescimento a ditadura militar brasileira conseguiu alcançar também, ao lado uma perversa distribuição da riqueza o que levou o Brasil a ser um dos países mais desiguais do mundo. Agora, se esse milagre significa vultosas rendas das grandes corporações mineiras, do sistema financeiro e das empresas multinacionais então o neoliberalismo existente no país incaico está sendo certamente bem-sucedido. Contudo, se o sucesso significar inclusão social, distribuição de renda, justiça social, qualidade de vida para as grandes massas, independência econômica, proteção ambiental, em suma o “bom viver” segundo a expressão dos povos originários, o “milagre peruano” é um rematado fracasso. Pois foi essa grande massa de trabalhadores pobres oprimidos, o fator essencial da vitória de Ollanta Humala.
No momento em que a reação e o império tentam passar ao contra-ataque, com insólita agressividade, a vitória de Humala muda notavelmente o cenário geopolítico regional em sentido contrário aos interesses da Casa Branca. De imediato, a Aliança do Pacífico conformada por países com governos de direita, México, Colômbia, Peru e Chile, persistentemente alinhavada por Washington com o fim de se contrapor à Unasur e à Alba, perdeu uma de suas duas peças vitais para o controle da Amazônia. Reforça-se o clima de transformação política e social que se iniciou em nossa região nos últimos anos do século passado, visto que consolida um grande bloco de países progressistas e revigora a Unasur e todos os organismos regionais independentes, como o Banco do Sul, Conselho de Defesa Sulamericano.
Entretanto, Ollanta Humala se verá diante de severos desafios. A batalha contra a direita peruana será obstinada e feroz em todos os terrenos. No plano político, o primeiro grande desafio será o de consolidar a governabilidade, montando em bases programáticas uma maioria sólida no parlamento. E, principalmente, ampliar sua base social em organizações e setores populares ainda distantes e em fatias da classe média, a par de consolidar a frente política que seu partido formou com os partidos de esquerda e centro-esquerda.
No terreno governamental, iniciar com vigor programas de inclusão social sem desarrumar a economia. Como fazê-lo, porém, num país em que a carga tributária é de míseros 15 por cento do PIB? Como pode o Estado com isso ser indutor do desenvolvimento com distribuição de renda? A taxação dos lucros extraodinários das mineradoras não será suficiente. Havia um imposto sobre transações financeiras, instituído em 2002 para financiar a educação no Peru, cuja meta de dispêndio deveria ser 6 por cento do PIB. Esse imposto foi reduzido no governo Toledo porque distorcia o mercado. Poderia ser recuperado. Sem recursos, Humala terá as mãos atadas para cumprir o programa anunciado nos palanques e nas ruas.
Ollanta Humala, no entanto, é um líder combativo e honrado que há muito vem denunciando as injustiças que se praticam contra o povo peruano. Há razões de sobra a alimentar as esperanças de que será fiel aos compromissos e ao povo que o elegeu.
O povo peruano não votou majoritariamente no mal menor entre Humala e Fujimori. Elegeu conscientemente Ollanta Humala como seu presidente. Já em 2006, Humala saiu à frente no primeiro turno contra Alan Garcia, obtendo 30,6% contra 24,3%. No segundo turno, contra tudo e contra todos, com frágil base partidária, isolado e sem poder montar alianças, perdeu para Garcia por 52,6% contra 47,3%. Desta vez, contando com o apoio dos partidos de esquerda e seu próprio Partido Nacionalista melhor estruturado, Ollanta obteve no primeiro turno contra quatro fortes opositores – Alejandro Toledo, ex-presidente; Pedro Pablo Kuczynski, ex-ministro e apoiado pelo empresariado; Keiko Fujimori, filha do ex-presidente Alberto Fujimori; Luis Castañeda, ex-prefeito de Lima – robustos 31,7%. Ou seja, insistentemente um terço do eleitorado votava por um ‘bem maior’. No segundo turno, conquistando adesões de setores da classe média e de personalidades políticas, alcançou a vitória com 51,5% contra 48,5% de Keiko.
O voto consciente evidenciou-se também nas eleições parlamentares, que se feriram no mesmo dia do primeiro turno: a coalizão Gana Peru de Humala, de um parlamento unicameral de 130 assentos, obteve 47 cadeiras, tornando-se o maior agrupamento partidário, majoritário, embora com maioria relativa; a Fuerza 2011 de Fujimori, 37; Peru Posible de Toledo, 21; Alianza por El Cambio de PPK, 12; Solidaridad Nacional de Castañeda, 9; APRA de Alan Garcia, 4.
Quanto à reação do mercado, em especial dos especuladores, não passa de terrorismo econômico. Como o foi o anúncio de que latas de leite irão escassear nos supermercados. A postura da mídia, ao destacar a voz do mercado, simplesmente reflete os interesses das classes dominantes, ao mesmo tempo em que adverte como vão atuar: ‘está bem, você ganhou, mas as regras do jogo nós é que estabelecemos’. Quando os privilégios dessa gente, que vive apregoando seu amor à democracia, à liberdade, aos direitos, são ameaçados, mandam às favas todos esses valores, dão as costas à voz do povo, partem para a violência institucional.
Todos os meios de comunicação de massa, impressos, televisivos e radiofônicos do Peru, com exceção do jornal La Republica, tudo fizeram para impedir o triunfo de Humala. O diário centenário El Comercio, porta-voz das elites locais e que detém uma poderosa rede de mídia, assumiu com total desfaçatez o papel de partido político anti-humala, distribuindo sem cerimônia as mais grosseiras calúnias e infâmias contra o candidato da coligação Gana Peru, batendo na tecla de sua ligação íntima com o presidente Chávez e praticamente orientando ideologicamente a campanha eleitoral de todos os demais concorrentes. Enfim, um exemplo acabado de campanha suja. E também não é segredo para ninguém que o Departamento de Estado desencadeou todo um esforço político, financeiro e de propaganda para evitar que alguém de fora do establishment assumisse a presidência. Estamos falando, por exemplo, de Roger Noriega, conhecido homem-forte da diplomacia norte-americana para a região, que denunciou ter Humala recebido 12 milhões de dólares de Chávez para financiar sua campanha. E da CNN. Quem assistiu à entrevista da âncora Patrícia Janiot com Humala presenciou uma bateria de perguntas, na verdade interrogatório, que expressavam as preocupações de Washington. Alan García também não foi um mero espectador. Valeu-se da máquina do Estado para engrossar a campanha direitista com o fim de derrotar Humala.
Muito se fala do sucesso do crescimento econômico do Peru que na última década alcançou a média de mais de 7% ao ano. Um verdadeiro “milagre peruano”. Não deixa de ser expressivo que apesar do milagre o Peru não tenha conseguido reduzir a pobreza e a extrema pobreza nem a desigualdade social, tampouco enfrentar a lógica da acumulação capitalista que gera a concentração da riqueza e polariza a sociedade. A participação salarial no Peru é de 22 por cento do PIB contra cerca de 44 por cento no Brasil. A porcentagem de trabalhadores informais é extraordinariamente alta, mais da metade da força de trabalho.
Aqui cabe a pergunta: o que quer dizer “milagre econômico”. Altos índices de crescimento a ditadura militar brasileira conseguiu alcançar também, ao lado uma perversa distribuição da riqueza o que levou o Brasil a ser um dos países mais desiguais do mundo. Agora, se esse milagre significa vultosas rendas das grandes corporações mineiras, do sistema financeiro e das empresas multinacionais então o neoliberalismo existente no país incaico está sendo certamente bem-sucedido. Contudo, se o sucesso significar inclusão social, distribuição de renda, justiça social, qualidade de vida para as grandes massas, independência econômica, proteção ambiental, em suma o “bom viver” segundo a expressão dos povos originários, o “milagre peruano” é um rematado fracasso. Pois foi essa grande massa de trabalhadores pobres oprimidos, o fator essencial da vitória de Ollanta Humala.
No momento em que a reação e o império tentam passar ao contra-ataque, com insólita agressividade, a vitória de Humala muda notavelmente o cenário geopolítico regional em sentido contrário aos interesses da Casa Branca. De imediato, a Aliança do Pacífico conformada por países com governos de direita, México, Colômbia, Peru e Chile, persistentemente alinhavada por Washington com o fim de se contrapor à Unasur e à Alba, perdeu uma de suas duas peças vitais para o controle da Amazônia. Reforça-se o clima de transformação política e social que se iniciou em nossa região nos últimos anos do século passado, visto que consolida um grande bloco de países progressistas e revigora a Unasur e todos os organismos regionais independentes, como o Banco do Sul, Conselho de Defesa Sulamericano.
Entretanto, Ollanta Humala se verá diante de severos desafios. A batalha contra a direita peruana será obstinada e feroz em todos os terrenos. No plano político, o primeiro grande desafio será o de consolidar a governabilidade, montando em bases programáticas uma maioria sólida no parlamento. E, principalmente, ampliar sua base social em organizações e setores populares ainda distantes e em fatias da classe média, a par de consolidar a frente política que seu partido formou com os partidos de esquerda e centro-esquerda.
No terreno governamental, iniciar com vigor programas de inclusão social sem desarrumar a economia. Como fazê-lo, porém, num país em que a carga tributária é de míseros 15 por cento do PIB? Como pode o Estado com isso ser indutor do desenvolvimento com distribuição de renda? A taxação dos lucros extraodinários das mineradoras não será suficiente. Havia um imposto sobre transações financeiras, instituído em 2002 para financiar a educação no Peru, cuja meta de dispêndio deveria ser 6 por cento do PIB. Esse imposto foi reduzido no governo Toledo porque distorcia o mercado. Poderia ser recuperado. Sem recursos, Humala terá as mãos atadas para cumprir o programa anunciado nos palanques e nas ruas.
Ollanta Humala, no entanto, é um líder combativo e honrado que há muito vem denunciando as injustiças que se praticam contra o povo peruano. Há razões de sobra a alimentar as esperanças de que será fiel aos compromissos e ao povo que o elegeu.
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Autor: Max Altman é jornalista e advogado, é membro da Secretaria Nacional de Relações Internacionais do Partido dos Trabalhadores