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A dor que nunca passa

16/12/2008
Nos anos 1970, quando abriam a BR-364 no Acre, ela cortou ao meio o Seringal Bagaço, onde eu morava com minha família. À derrubada da mata seguiu-se uma epidemia violenta e incontrolável de sarampo e malária. Era gente doente ou morrendo em quase todas as casas. Perdi um primo e meu tio Pedro Ney, que foi uma das pessoas mais importantes da minha infância. Morreu minha irmã de quase dois anos e, quinze dias depois, outra irmã, de seis meses. Seis meses depois, morreu minha mãe. Tudo era avassalador, assustador. Uma dor enorme, extrema, que nunca passou. Para sair disso, tivemos que reconstruir, praticamente, o sentido inteiro do mundo. Aceitar o inaceitável, mas carregá-lo para sempre dentro de si. Ir em frente, enfrentar a dureza do cotidiano, sobreviver, cuidar dos outros. Viver, enfim, e dar muito valor à vida e às pessoas. Em 1985, numa das maiores enchentes do rio Acre em Rio Branco , eu morava no bairro Cidade Nova, na periferia da cidade, numa pequena casa de onde tivemos que sair às pressas, levando o que foi possível numa canoa. O resto foi levado pelas águas, inclusive o único retrato que tínhamos de minha mãe. Penso agora nisso tudo e acho que consigo entender o que sentem os catarinenses, mas ainda estou longe de alcançar o significado estarrecedor de uma perda tão total e instantânea como a que sofreram. Na escuridão, o morro descendo, destruindo tudo, a busca desesperada pelos filhos, a impotência. E, depois, descobrir-se só em meio ao caos: acabou a casa, foram-se as pessoas amadas, o lugar no mundo. Não há mais nada, só a vida física e a força do espírito. Meus filhos andam pela casa com todo vigor, com toda a beleza da juventude, e sequer consigo imaginar o que seria, de uma hora para outra, vê-los engolidos pela terra, debaixo de toneladas de escombros ou mutilados para o resto da vida. É algo terrível demais até no plano da imaginação. Fere a própria alma tão fundo que chega a ser impossível entender plenamente a profunda tristeza de quem enfrenta essa realidade. Na Londres de 1624, os sinos da catedral de São Paulo, onde o poeta John Donne era o Deão, tocavam quase ininterruptamente anunciando as milhares de mortes causadas pela peste. Atingido por grave enfermidade (que chegou a ser confundida com a peste) Donne escreveu então um de seus textos mais conhecidos, a Meditação XVII: "Nenhum homem é uma ilha, sozinho em si mesmo; cada homem é parte do continente, parte do todo; se um seixo for levado pelo mar, a Europa fica menor, como se fosse um promontório, assim como se fosse uma parte de teus amigos ou mesmo tua;...

Diário da Nova China: o gato e o rato

15/12/2008
Parto para minha primeira viagem à China, a um seminário que comemora os 30 anos do começo da política de Reforma e Abertura, iniciada em 1998, a que foram convidados 17 intelectuais estrangeiros, quase todos dos EUA e da Europa. Os chineses comemoram, em grande estilo, o sucesso de um processo que já ocupa mais tempo na história da Revolução Chinesa do que o período anterior – 1949-1998 -, marcado pela direção de Mao-Tse-Tung. Claro que a figura de Mao se projeta sempre muito acima das dos outros dirigentes posteriores, tanto porque dirigiu o processo revolucionário chinês desde a Grande Marcha, no começo dos anos 1930, como, além disso, porque dirigiu o povo chinês nas lutas que levaram à derrota dos ocupantes japoneses e norte-americanos, desembocando na vitória revolucionário de 1949. Porém, dois anos depois da morte de Mao, Deng-Ziao-Ping assombrava o mundo – e especialmente a esquerda, ainda mais a maoísta – com a declaração que abria este período: “Não importa a cor do gato, contanto que ele cace o rato”. A referência era claramente ao uso da tecnologia. Aqueles sentimentos eram ainda mais fortes, porque a declaração se situava em contradição mais antagônica possível com os princípios que haviam norteado a Revolução Cultural, viva até poucos anos antes. Esta se caracterizava, entre outros aspectos, pela tentativa de desmistificação do suposto caráter neutro e não classista da tecnologia, da ciência, da cultura e de toda forma de saber. Essa nova abordagem da tecnologia apontava para destravar o seu uso, na busca de acelerar o desenvolvimento econômico. Evidenciava também que terminava de forma peremptória o período da Revolução Cultural e que o novo período não apenas virava aquela página conturbada da histórica chinesa, mas que a negaria nos seus fundamentos mesmos. Hoje os chineses comemoram a data de 1978 como uma nova fundação da revolução, de que pretendem apresentar as conquistas espetaculares com orgulho. Os dados são todos impactantes, seja do crescimento do produto interno bruto, da renda per capita, da retirada de centenas de milhões de pessoas da zona de pobreza, da expansão do comércio exterior, da acumulação de divisas, do acesso de milhões de pessoas a bens de consumo básicos e modernos, dos níveis de escolaridade, do ritmo de investimentos, da construção de casas e prédios, da projeção, enfim, da China, como a segunda potência econômica do mundo. Os chineses afirmam seu direito a sair da situação de pobreza e mesmo de miséria em que viveram por um bom tempo a avançam para reverter a situação de inferioridade econômica que passaram a ter nos dois últimos séculos. Até o século XVIII, a China, mais avançada que a Europa ocidental, exportava seus produtos para esta – especiarias, seda,...

Querido Artur

11/12/2008
Perdoe-nos por fazer um menino de apenas quatro anos querer fugir de verdade para outro planeta. Essa vontade deveria fazer parte apenas de suas fantasias, do mundo do faz-de-conta, de aventuras onde você fosse o herói. E não a vítima. Acho que falo em nome de todos os adultos quando lhe peço desculpas. Li sua frase no jornal e quis escrever-lhe esta carta. Espero que leiam para você. Mas espero também que muitos outros a leiam. Artur, seu lugar é aqui na terra. Você é muito importante para todos nós, pois aos quatro anos já está ajudando a mudar nosso planeta. Sua frase talvez seja um alerta muito mais forte do que o de todos os especialistas juntos. Porque vem de alguém que deveria estar recebendo do mundo apenas a oportunidade de brincar e sonhar. E que no máximo só poderia sentir medo de algum lobo mau, que sempre perde no fim. Você mexe com a gente e nos faz pensar, porque com sua frase nos sentimos como bichos-papões de verdade. Numa história em que, no fim, quem perde com tanta ganância é o mundo todo. E principalmente crianças lindas como você. Mas Artur, felizmente essa história tem muito mais pessoas como você. Veja quanta gente, de todo Brasil e até de fora, está ajudando Santa Catarina! E são muitos, mas muitos mesmo, os que querem mudar o mundo. Por tudo isso, não é hora de desistir, não. A terra é como aquele brinquedo que estragou, mas tem conserto. Como o lego que desmontou, mas pode ser remontado com outra forma, muito mais bonita. Pode ter certeza que é por existir muitas pessoas como você, Artur, que essa história não acabou. Por mais que você esteja triste, eu lhe peço um favor: não deixe de brincar, nunca pare de sonhar. Nas suas brincadeiras e sonhos, invente um planeta diferente aqui mesmo na terra. Faça um desenho desse mundo melhor que você deseja. Eu gostaria de vê-lo. Seria uma inspiração para nós, adultos, torná-lo realidade. E assim, devolver a você o que nunca lhe deveríamos ter tirado: a esperança. Autor: Ideli Salvatti – Senadora...

Oxalá!

10/11/2008
Barack Obama, primeiro presidente negro da história dos Estados Unidos, concretizará o sonho de Martin Luther King ou o pesadelo de Condoleezza Rice? Esta Casa Branca, que agora é sua casa, foi construída por escravos negros. Oxalá ele não se esqueça disso, nunca.  Obama provará no governo que suas ameaças de guerra contra o Irã e o Paquistão não foram mais do que palavras, proclamadas para seduzir ouvidos difíceis durante a campanha eleitoral? Oxalá. E Oxalá não caia por nenhum momento na tentação de repetir as façanhas de George W. Bush. Ao fim e ao cabo, Obama teve a dignidade de votar contra a guerra do Iraque, enquanto o Partido Democrata e o Partido Republicano ovacionavam o anúncio dessa carnificina. Durante sua campanha, a palavra “leadership” foi a mais repetida nos discursos de Obama. Durante seu governo, continuará crendo que seu país foi escolhido para salvar o mundo, tóxica idéia que compartilha com quase todos seus colegas? Seguirá insistindo na liderança mundial dos Estados Unidos e na sua messiânica missão de mando? Oxalá esta crise atual, que está sacudindo os cimentos imperiais, sirva ao menos para dar um banho de realismo e de humildade a este governo que começa. Obama aceitará que o racismo seja normal quando exercido contra os países que seu país invade? Não é racismo contar um por um os mortos dos invasores no Iraque e ignorar olimpicamente os muitíssimos mortos entre a população invadida? Não é racista este mundo onde há cidadãos de primeira, segunda e terceira categoria, e mortos de primeira, segunda e terceira? A vitória de Obama foi universalmente celebrada como uma batalha ganha contra o racismo. Oxalá ele assuma, a partir de seus atos de governo, esta formosa responsabilidade. O governo de Obama confirmará, uma vez mais, que o Partido Democrata e o Partido Republicano são dois nomes de um mesmo partido? Oxalá a vontade de mudança, que estas eleições consagraram, seja mais do que uma promessa e mais que uma esperança. Oxalá o novo governo tenha a coragem de romper com essa tradição de partido único, disfarçado de dois partidos, que, na hora da verdade, fazem mais ou menos o mesmo ainda que simulem uma disputa entre eles. Obama cumprirá sua promessa de fechar a sinistra prisão de Guantánamo? Oxalá, e Oxalá acabe com o sinistro bloqueio a Cuba. Obama seguirá acreditando que está certo que um muro evite que os mexicanos atravessem a fronteira, enquanto o dinheiro passa livremente sem que ninguém lhe peça passaporte? Durante a campanha eleitoral, Obama nunca enfrentou com franqueza o tema da imigração. Oxalá a partir de agora, quando já não corre o risco de espantar votos, possa e queira acabar com esse muro, muito...

As condições do Brasil para o enfrentamento da crise financeira

03/11/2008
Pela gravidade e intensidade da crise financeira internacional e pela sua capacidade de se espalhar pela economia mundial, não existe país que possa se considerar blindado em relação aos seus efeitos. Mas alguns aspectos da política econômica e comercial do Brasil fornecem ao país certa capacidade de enfrentamento dos efeitos da crise ao nível internacional. Um primeiro aspecto mais importante é a menor dependência das exportações brasileiras para os Estados Unidos que reduziu-se de 24,7% em 2001 para os atuais 15%. Em contrapartida aumentou os volumes para países da periferia capitalista em todo o mundo, o que deve atenuar os efeitos da crise sobre o país. De qualquer forma é importante considerar que o efeito desta redução é pequeno na medida em que, no período, o Brasil elevou as participações da China e do México como destino das exportações brasileiras, países de que dependem significativamente do mercado dos Estados Unidos. Um segundo aspecto relevante é o nível das reservas cambiais existentes no país, superior a US$ 200 bilhões. Um dos principais canais de transmissão da crise financeira internacional para o a economia do país tem sido a falta de crédito para a exportação. Na medida em que os bancos ficaram sem acesso aos fundos de crédito externo, eles diminuíram o repasse para as empresas exportadoras. Para contornar este problema, dentre outras medidas, o Banco Central tem colocado dinheiro das reservas à disposição dos bancos, para que estes repassem aos exportadores, no máximo em 30 dias. O governo já utilizou uma pequena parte das reservas para garantir a liquidez do mercado de câmbio e tem declarado estar disposto a investir o que for preciso para garantir crédito para as exportações. Um aspecto fundamental para o enfrentamento da crise, é o atual dinamismo do mercado interno, que tem sido o motor do crescimento da economia brasileira nos últimos trimestres. A economia tem crescido com base na expansão do consumo das famílias e a taxa de crescimento dos investimentos vem expandindo o dobro do consumo. Este processo deve amortecer os impactos da crise financeira internacional sobre a economia brasileira. Um fator extremamente positivo é a situação da dívida pública, que vem caindo nos últimos anos em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). Com a depreciação do real ocorrida a partir de setembro a dívida pública vem caindo, o oposto do que ocorreu em outras crises cambiais. Nas crises anteriores quando a taxa de câmbio se desvalorizava, como a dívida pública era, em boa parte, indexada ao câmbio o Estado ficava insolvente, praticamente quebrando e tendo que recorrer a empréstimos nos mercados internacionais. No mês de setembro, como o país é credor em moeda estrangeira e o dólar se valorizou frente ao real,...

Um dia na vida da Folha de S. Paulo

03/11/2008
O dia é quinta, 30 de Outubro de 2008. Mas podia ser qualquer outro. Nessa quinta, o desprezo da Folha pelos seus leitores superou-se com a reportagem “Luz para Todos não cumpre a meta de dois milhões". Minha mulher, que já vinha se aborrecendo com a Folha, fechou as páginas, irritada: “Esse jornal pensa que somos idiotas”. Começa pela foto que encima a história, uma cena de escuridão no Congresso Nacional, que não tem nada nadinha a ver com o programa Luz para Todos. Depois vem o título, enorme, em quatro colunas, numa página nobre do jornal, chamando de fracassado um programa que os números da reportagem revelam estar sendo um dos maiores sucessos do governo Lula. O Luz para Todos atingiu até a semana anterior à publicação da matéria, nada menos que 1, 744 milhão de famílias. São famílias, por definição, localizadas em regiões remotas, pequenos vilarejos que as concessionárias não serviam por não ser econômico. Mesmo se ficasse só nisso, já seria um feito excepcional. Não só pelo número absoluto de famílias e comunidades beneficiadas, mas também pelo fato de quase 90% da meta ter sido alcançada – meta essa que já era bastante ambiciosa. Foi tão forte o desejo de narrar um fracasso que o repórter excluiu do seu argumento sobre o não cumprimento da meta deste ano o fato relevante de que o ano ainda não terminou. Só lá em baixo, no pé da reportagem, separadas propositalmente do argumento principal da narrativa, está a informação de que já há mais R$ 13 bilhões em contratos fechados, sendo R$ 9,4 bilhões do governo federal, R$ 1,6 bilhão dos governos estaduais e R$ 1,9 bilhão das concessionárias. O sucesso é tanto que o Ministério de Minas e Energia já pensa em ampliar a meta em mais 1,1 milhão de famílias entre 2009 e 2010. (1) Na mesma edição, a Folha relata outro retumbante “fracasso” do governo Lula. “Gastos do governo com o PAC caem 70%”. O título é de quatro colunas ocupando também o topo de página. Um gráfico de pagamentos do PAC revela investimentos crescentes ao longo do ano, exceto pequena redução em junho, e as quedas que deveriam justificar o título, em setembro e outubro. De pronto está a desonestidade do título. Gastos só caíram nos últimos dois meses. E mais: caíram de forma brusca. A explicação está lá, escondida, no meio da própria reportagem: as chuvas de setembro e a greve dos servidores do Departamento Nacional de Infra-estrutura (DNIT) que “bloqueou pagamentos e todas as demais fases da gastos durante três semanas…” (2). Um título mais preciso seria na linha de ”greve paralisa obras do PAC”. Mas esse título não serviria ao propósito aparente...

Os três passos políticos para enfrentar a crise, segundo a ONU

31/10/2008
A comunidade global deve reconhecer que num mundo interdependente, país algum pode agir isoladamente. Não é possível para todos os países gerarem mais superávit primário ou melhorar sua competitividade internacional ao valorizar sua moeda ou cortar custos. O avanço de uma nação é o recuo de uma outra. A cooperação global e a regulação são imperativas. A Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad) sugere três passos iniciais para isso. Unctad – Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento Relatório político n° 4 da Unctad (Outubro/2008) Com os mercados do mundo absorvendo as primeiras ondas da continuidade da crise financeira, a atenção se volta para as maneiras de administrar coletivamente o desenrolar do desequilíbrio global e para prevenir a turbulência sistêmica. Isso é algo que a UNCTAD tem advogado mesmo durante a exuberância irracional gerada pela especulação ilimitada. Num mundo interconectado, nenhum país pode agir isoladamente – um princípio que tem estado no coração da mensagem de interdependência da UNCTAD, desde sua origem e que não pode ser mais apropriado, nestes dias. Este relatório político argumenta que a cooperação global e a regulação são imperativos tanto no comércio como na finança, e que a ONU é a organização internacional com mais crédito para liderar o projeto, a discussão e para reunir esses esforços. Grandes problemas nos mercados locais A crise financeira continua a se espalhar pelas regiões, países e setores de atividade, a despeito das medidas desesperadas tomadas pelos governos para conter o lixo tóxico e prevenir o contágio. Mas, parar o processo de desaceleração global revelou-se difícil, enquanto as posições especulativas de milhões de lares e companhias se desenrolam num número importante de mercados. O choque da proximidade de um derretimento no sistema financeiro norte-americano e noutros sacudiu profundamente a crença segundo a qual os negócios iriam rapidamente voltar aos mercados; e as expectativas de que a geração de capital pode ocorrer sem assumir riscos excessivos nos investimentos desapareceu. A desaceleração é claramente tão necessária como inevitável. Quando as posições especulativas tiverem se aclarado, os preços vão, na maioria dos casos, ser melhor alinhados com os fundamentos sustentados na oferta e na demanda. Contudo, os efeitos de curto prazo do giro de preços e no câmbio não deve ser subestimado. Em muitos casos as economias familiares e empresariais podem provavelmente ajustar com facilidade seus balancetes, reduzindo sua exposição a altos riscos e a obrigações de dívida – presumindo que têm tempo suficiente para fazê-lo. Se, por outro lado, o preço das ações ou a taxa de câmbio lhes for prejudicial, num curto intervalo de tempo essas mesmas economias podem ser jogadas na inadimplência. O fogo que os governos estão apagando atualmente implica,...

O agravamento recente da crise financeira internacional

31/10/2008
Nos últimos dois meses a economia mundial vem passando por fortes e violentas turbulências nos mercados financeiros, que explicitam uma segunda etapa da crise econômica, onde uma crise de “solvência” (saúde financeira das empresas, capacidade de cumprirem com os seus compromissos financeiros) passa ao estágio de uma crise generalizada de confiança. Ao longo do ano de 2008, até setembro, a estimativa é de que os ativos (títulos, ações, contratos financeiros, etc.) existentes no mundo perderam valor em mais de US$ 14 trilhões. A estimativa de desvalorização em 12 meses é de cerca de US$ 27 trilhões, ou cerca de duas vezes o Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA. No mesmo período, os bancos internacionais registram perdas contábeis de mais de US$ 500 bilhões. Sucessivas medidas tomadas para tentar frear os impactos das turbulências se mostraram insuficientes, inclusive o conjunto de medidas de injeção de cerca de US$ 850 bilhões no mercado financeiro dos EUA, aprovada pelo Congresso daquele país. Tentativas de coordenação de medidas pelos principais bancos centrais mundiais (EUA, Banco Central Europeu, Japão, Inglaterra, Suíça, Canadá, Austrália e outros) se mostraram bastante parciais, e também pouco eficazes para conter as turbulências nas bolsas, pelo menos até o momento. Bolsas internacionais registraram com frequência perdas diárias superiores a 5%, sendo que muitas vezes esses valores de perda operaram no intervalo entre 8% e 10%. No caso europeu, as limitações de um banco central não vinculado a um Estado Nacional (e, portanto, sem um orçamento público que lhe permitisse garantir o poder de sua moeda) se evidenciam. Além disso, os diversos Estados Nacionais europeus acabam privilegiando dar proteção às suas instituições financeiras, correntistas e investidores nacionais, nas medidas de resposta à crise. As perspectivas no momento são de uma crise bastante aguda, prolongada, e que deve se generalizar para a economia real com bastante rapidez, impactando especialmente as áreas vinculadas ao comércio internacional (fluxos comerciais, mercados de commodities1) e dependentes de crédito e financiamento. As expectativas são de redução significativa das taxas de crescimento nos vários países, sendo que em algumas áreas já há fortes indícios de recessão, especialmente nos EUA, Japão, e na área do euro. No caso da América Latina, é esperada forte redução do crescimento verificado no período anterior, embora ainda não haja previsões de recessão. Pela gravidade e intensidade da crise financeira internacional e pela sua capacidade de se espalhar pela economia mundial, não existe país que possa se considerar blindado em relação aos seus efeitos. Mas alguns aspectos da política econômica e comercial do Brasil fornecem ao país razoável capacidade de enfrentamento dos efeitos da crise ao nível internacional. 1 Commodities são produtos básicos, homogêneos e de amplo consumo, que podem ser produzidos e negociados...

O mistério do interrelacionamento entre as finanças e a economia da produção e do consumo

27/10/2008
É nos momentos de crise financeira que a opinião pública se volta a este tema: como se interrelacionam o mundo financeiro com suas vicissitudes especulativas e o mundo da produção e consumo de valores de uso. São dois mundos distintos: no primeiro circulam valores monetários denominados genericamente de ativos porque são créditos, a cada um dos quais corresponde um débito (ou passivo); no segundo circulam bens e serviços que satisfazem necessidades de seres humanos, que por isso se dispõem a pagar para adquiri-los. Estes bens e serviços são mercadorias – produtos do trabalho humano destinados à venda, à troca por dinheiro – e neste sentido também são valores monetários. A diferença entre ativos e mercadorias é que os primeiros são valores virtuais, isto é, não satisfazem qualquer necessidade diretamente, ao passo que os últimos são valores reais, prontos para serem utilizados ou consumidos. As finanças prestam serviços à economia real: recebem em depósito a poupança de famílias e empresas (sem falar dos governos) e lhes oferecem empréstimos. Serviços financeiros são basicamente de intermediação entre famílias e empresas que têm poupanças e outras que necessitam de dinheiro. As finanças recolhem o dinheiro sobrante das primeiras e o emprestam às últimas. Mas, sua atividade principal é emprestar a governos e empresas para que possam fazer investimentos. Embora as compras a prazo dos consumidores sejam importantes – sobretudo o crédito hipotecário – a maior parte dos ativos se destina a financiar investimentos do poder público e das empresas capitalistas, sobretudo de grande porte. Além disso, boa parte da poupança captada pelas finanças são delas mesmas. A atividade financeira expandiu-se acentuadamente nos últimos decênios de globalização e neo-liberalismo, usufruindo de lucros extraordinários, parte dos quais alimentam as remunerações milionárias dos altos executivos financeiros. Uma parte crescente do capital total da economia capitalista globalizada gira no mundo financeiro e nas fases de alta dos ciclos de conjuntura usufrui de inegável hipertrofia. São muitas as modalidades de empréstimos praticados pelas finanças: depósitos bancários, títulos negociados em Bolsas de Valores, emissões de títulos por governos, grandes empresas, companhias de seguros (apólices), emissão de cartões de crédito e de débito e assim por diante. O que efetivamente importa é que os intermediários podem emprestar mais dinheiro do que captaram do público ou de outros intermediários. Eles podem fazer isso porque gozam de crédito por parte do público que aceita em pagamento os ativos avalizados por bancos. É assim que funcionam os cheques e os cartões eletrônicos: são ordens de pagamento que o cliente do banco emite para que determinadas dívidas, que ele faz junto a lojas, restaurantes etc., sejam pagas pelo seu banco. A grande maioria das transações dos agentes da economia real é liquidada por meio...

O ‘circuit beaker’ da imprensa

14/10/2008
Artigo publicado originalmente no site da Carta Maior A imagem jornalística predominante a respeito do resultado de processos eleitorais continua a obedecer a duas velhas vertentes. De um lado, os leitores (e eleitores) são vistos como uma massa atomizada, incapaz de mediações próprias, expostos pura e simplesmente aos estímulos da grande imprensa. De outro, temos a visão do eleitorado como uma assembléia de cidadãos esclarecidos, figuras rousseaunianas, capazes de cálculos racionais e aptas ao julgamento crítico. Dependendo do objetivo editorial, a roupagem adequada é escolhida.   O aparente paradoxo, no entanto, esconde um descontentamento com o jogo democrático. Uma necessidade urgente de definir derrotado e vencedor em uma batalha que, tal como a de Itararé, nem chegou a ocorrer. Um expediente de pura prestidigitação, sem qualquer ligação com o correto exercício do jornalismo. Apenas um recurso para agradar aos velhos sócios nos negócios e na política.   A primeira página de O Globo, em sua edição de 6/10/2008, um dia após o primeiro turno da eleição municipal, não resiste ao menor exercício de lógica elementar. Com um infográfico indigente apresenta “quem perdeu” e “quem ganhou”. Sob a justificativa da síntese, o falseamento. O deslize a serviço de uma crônica anunciada, escrita antes mesmo do acontecimento do fato que finge explicar. A pretexto de facilitar o entendimento do processo, o que é servido ao leitor é pura realidade invertida.   Na dobra superior, encimando os “derrotados” pelos resultados das urnas, está, como não poderia deixar de ser, o presidente Lula. O texto é simplório. “Sua imensa popularidade não se traduziu em votos. Marta Suplicy e Luiz Marinho não se beneficiaram dela. Em Natal, Lula fez uma cruzada contra a candidata do PV e ela ganhou no primeiro turno. A baixa capacidade de transferir votos pode prejudicar os planos de Dilma Rousseff para 2010”   No espaço destinado aos “vencedores”, encontramos o governador José Serra. A mensagem é categórica: “Leva Gilberto Kassab para o segundo turno em São Paulo e dá um passo importante para consolidar a aliança com o DEM para a sucessão presidencial em 2010”. O fato de o Partido dos Trabalhadores ter vencido em seis capitais, e disputar o segundo turno em outras três de inequívoco peso político, é explicado por três fatores. O primeiro, como cálculo racional do eleitor, preocupado tão-somente com questões paroquiais. O segundo, a boa avaliação das administrações locais. E o terceiro é a facilidade que o instrumento da reeleição dá a quem já ocupa o cargo. Nesses casos, estamos diante de uma eleição que não pode ser federalizada. Perfeito. Nenhum mérito para o governo federal.   Se não houve pleno sucesso, a lógica se inverte. Em situações assim, o presidente Lula é uma...

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