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Artigo publicado originalmente no site da Carta Maior

A imagem jornalística predominante a respeito do resultado de processos eleitorais continua a obedecer a duas velhas vertentes. De um lado, os leitores (e eleitores) são vistos como uma massa atomizada, incapaz de mediações próprias, expostos pura e simplesmente aos estímulos da grande imprensa. De outro, temos a visão do eleitorado como uma assembléia de cidadãos esclarecidos, figuras rousseaunianas, capazes de cálculos racionais e aptas ao julgamento crítico. Dependendo do objetivo editorial, a roupagem adequada é escolhida.

 

O aparente paradoxo, no entanto, esconde um descontentamento com o jogo democrático. Uma necessidade urgente de definir derrotado e vencedor em uma batalha que, tal como a de Itararé, nem chegou a ocorrer. Um expediente de pura prestidigitação, sem qualquer ligação com o correto exercício do jornalismo. Apenas um recurso para agradar aos velhos sócios nos negócios e na política.

 

A primeira página de O Globo, em sua edição de 6/10/2008, um dia após o primeiro turno da eleição municipal, não resiste ao menor exercício de lógica elementar. Com um infográfico indigente apresenta “quem perdeu” e “quem ganhou”. Sob a justificativa da síntese, o falseamento. O deslize a serviço de uma crônica anunciada, escrita antes mesmo do acontecimento do fato que finge explicar. A pretexto de facilitar o entendimento do processo, o que é servido ao leitor é pura realidade invertida.

 

Na dobra superior, encimando os “derrotados” pelos resultados das urnas, está, como não poderia deixar de ser, o presidente Lula. O texto é simplório. “Sua imensa popularidade não se traduziu em votos. Marta Suplicy e Luiz Marinho não se beneficiaram dela. Em Natal, Lula fez uma cruzada contra a candidata do PV e ela ganhou no primeiro turno. A baixa capacidade de transferir votos pode prejudicar os planos de Dilma Rousseff para 2010”

 

No espaço destinado aos “vencedores”, encontramos o governador José Serra. A mensagem é categórica: “Leva Gilberto Kassab para o segundo turno em São Paulo e dá um passo importante para consolidar a aliança com o DEM para a sucessão presidencial em 2010”.

O fato de o Partido dos Trabalhadores ter vencido em seis capitais, e disputar o segundo turno em outras três de inequívoco peso político, é explicado por três fatores. O primeiro, como cálculo racional do eleitor, preocupado tão-somente com questões paroquiais. O segundo, a boa avaliação das administrações locais. E o terceiro é a facilidade que o instrumento da reeleição dá a quem já ocupa o cargo. Nesses casos, estamos diante de uma eleição que não pode ser federalizada. Perfeito. Nenhum mérito para o governo federal.

 

Se não houve pleno sucesso, a lógica se inverte. Em situações assim, o presidente Lula é uma liderança carismática incapaz de transferir votos. E, tal como o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, um ator político que se equivocou ao confundir prestígio pessoal com perspectiva de fazer o sucessor. Não peçam um conjunto coerente de indícios e hipóteses que sustentem essa evidência conclusiva. O que temos aqui é uma peça ideológica tão tosca como tantas outras que a grande imprensa se esmera em apresentar diariamente

 

O importante é mostrar José Serra como exímio enxadrista, e Rio de Janeiro e São Paulo como amostras das tendências que dominarão o cenário político nas eleições presidenciais de 2010. Aqui as clivagens do eleitorado mudam e o pleito passa a indicar um realinhamento global nos três maiores colégios eleitorais do país.

 

Para isso, a mixagem deve ser preparada com dois ingredientes: ignorância das especificidades político-culturais dos Estados e o esquecimento de que inexiste correlação entre resultados em eleições municipais e a corrida presidencial.

 

Uma volta a 2004 faria bem a editores apressados. Naquele ano, os tucanos ganharam as eleições de São Paulo, e os então pefelistas, a do Rio de Janeiro. Pelo resultado de 2006, ao contrário do que apregoa a torcida da editoria de arte do Globo, “não foi um passo tão importante assim”. Se é certo que o passado não se repete senão como farsa, como qualificar a repetição de táticas e expectativas?

 

Quando as ações despencam, as bolsas costumam acionar o circuit breaker, interrompendo o negócio. Seria o caso de o jornalismo brasileiro pensar em adotar mecanismo semelhante quando o que está em queda é a cotação da credibilidade daquilo que informa? Quem sabe não seria um grande negócio tanto para “comprados” quanto para “vendidos”?
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro

Autor: Gilson Caroni Filho

Publicado em 14/10/2008 -

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