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 Os dados de crescimento na economia brasileira têm sido bem mais alentadores do que os que dispúnhamos há alguns meses atrás. A nova onda de valorização do real, no entanto, retoma com força a discussão sobre os rumos da indústria brasileira de transformação. O argumento de que este é um problema do dólar, que estaria sofrendo uma desvalorização geral, em decorrência da crise mundial, não tem sustentação nos fatos. Na comparação em relação a uma cesta de moedas, publicada diariamente pelo Banco Central dos EUA, o FED, a desvalorização do dólar é de apenas 4% desde o início de 2009, enquanto, no mesmo período, o real se apreciou 26% em relação à moeda estadunidense. O fenômeno tem algumas explicações:

a) As taxas de juros brasileiras, apesar do atual ciclo de queda, que vem desde janeiro, ainda mantém um grande diferencial em relação às taxas internacionais. A taxa Selic, de 8,75%, comparada com os juros próximos de zero praticado nos principais países desenvolvidos, garante uma grande margem para operações de arbitragem nos mercados financeiros;

b) O Brasil continua recebendo investimentos estrangeiros diretos. A previsão do Banco Central é fechar o ano com US$ 25 bilhões de entrada desses recursos, um volume muito razoável, considerando a gravidade da crise;

c) O dólar vem se desvalorizando no mercado internacional em função dos EUA ser o epicentro da crise internacional e da conseqüente piora dos indicadores daquele país;

d) A própria expectativa de que o real vai se apreciar. Mais do que em renda fixa, os investimentos têm vindo para a bolsa de valores, em função do espetacular desempenho da Bovespa, cuja valorização a partir de novembro até agora, alcança a 87%;

e) a valorização do preço das commodities no mercado internacional, que reforça a valorização do real, na medida em que dois terços da pauta exportadora do Brasil são formados de produtos básicos.

As conseqüências da valorização do real são danosas. Há uma redução dos investimentos na indústria de transformação e são crescentes as dificuldades para a exportação, especialmente em setores que concorrem diretamente com a indústria chinesa. Além disso, é visível a deterioração da pauta exportadora brasileira. A redução das exportações nos primeiros sete meses do ano em relação à igual período de 2008 ocorreu de forma substancial em todos os segmentos, porém, em muito menor proporção nas exportações de produtos básicos. A partir da menor redução das exportações dos produtos básicos, em relação ao conjunto, ocorreu recentemente uma alteração do perfil das exportações nacionais, com o aumento da fatia destes produtos no total das vendas, passando de 36,3% para 42,6% no período em questão. Entre os principais produtos básicos da pauta, o grande destaque nos primeiros sete meses do ano foi a soja em grão e o farelo de soja, com aumentos de 14,8% e 6,0%, respectivamente, em relação ao mesmo período do ano passado.

Quanto à venda dos produtos industrializados houve queda de 31,3% no período janeiro-julho, em função da retração nos mercados internacionais, decorrente da crise. Isto fez com que a participação dos industrializados no total das exportações brasileiras caísse de 61% para 55% no período em tela.

Concluir que este processo de apreciação do real não é saudável para a economia brasileira é exercício simples. As medidas para o enfrentamento do problema, no entanto, nem tanto. Algumas ações possíveis podem ser indicadas:

a) Tributar o capital internacional, visando inibir um pouco a sua vinda. Alguns economistas estão defendendo a cobrança de Imposto Sobre Operações Financeiras (IOF) para os recursos que ingressam para aplicações em títulos de renda fixa e para o mercado de ações. Diferentemente de outros momentos de crise financeira internacional, desta vez parece estar descartada uma crise cambial, com fugas de capitais e coisas do gênero. Os indicadores de robustez nas contas públicas e a continuidade da demanda global pelas commodities produzidas pelo país, afasta o risco de crise mais graves nas contas externas, o que possibilita a tributação dos capitais internacionais;

b) Promover uma redução adicional na taxa Selic. É grande ainda o diferencial de juros internos e externos, já que as taxas nos países desenvolvidos estão próximas de zero. Além disso, está afastado neste momento qualquer risco de aumento da inflação;

c) Intensificar a política de compra de reservas. O governo tem adquirido todo dólar extra que tem entrado no país, mas é preciso intensificar esta política. O custo de acumulação das reservas diminuiu em função do diferencial de juros externos e internos. Esta política, além de reduzir a oferta de dólares no mercado, o que evita uma queda ainda maior da moeda, ainda engorda as reservas internacionais brasileiras.

Não há uma fórmula mágica que as autoridades econômicas possam adotar que encaminhe para a correção do problema do câmbio valorizado de forma imediata. A solução do problema requer políticas de longo prazo. Os superávits comerciais são fundamentais para o Brasil. Foram eles que nos permitiram a melhora no balanço de pagamentos e a redução da vulnerabilidade externa ocorrida nos últimos anos. Mas os resultados na balança têm que vir acompanhados da melhoria de sua qualidade, ou seja, é fundamental agregar valor às nossas exportações, já que a valorização das commodities nos mercados internacionais não vai durar para sempre. O problema é grave, mas por ter uma clara dimensão estrutural, necessita de políticas voltadas para o seu enfrentamento também no longo prazo.

Autor: José Álvaro de Lima Cardoso – Economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina

Publicado em 27/08/2009 -

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