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No Brasil a quase totalidade dos meios de comunicação é controlada por seis grupos familiares: Abravanel (SBT), Civita (Abril), Frias (Folha de S. Paulo), Marinho (Globo), Saad (Bandeirantes) e Sirotsky (Rede Brasil).

As empresas de comunicação “não possuem em suas finalidades o atendimento exclusivo dos interesses da nação”, vivendo de receitas, de lucros e de interesses políticos, empresariais e ideológicos, buscando “a maximização dos lucros, em detrimento da sua antiga função militante; sua militância atual é a da livre empresa, a sociedade de mercado”.

Não é novidade, por isso, “dizer que os maiores jornais, revistas e canais de tevê são parciais e defendem os interesses das elites econômicas”.

De fato, parece não haver concorrência entre as maiores empresas de comunicação (Veja, Folha de S. Paulo, Globo, Estadão), que entre si repercutem seus “furos de reportagem”, sejam eles comprovados ou não, como ocorreu no episódio do vazamento de partes dos depoimentos prestados na delação premiada do ex-diretor da Petrobras.

Vera Guimarães Martins, ombudsman do jornal Folha de S. Paulo, chamou a atenção para a “unanimidade das manchetes” do noticiário nacional do final de semana de 7 de setembro de 2014 e da respectiva fonte.

Embora ela considere normal a replicação do “furo de reportagem” pelos meios de comunicação, ressalva ser raro “que grandes escândalos sejam revelados com base apenas em fontes não identificadas, sobretudo quando envolvem acusações nominais, sujeitas a processos de injúria e difamação. E, mais raro ainda que notícia obtida nessas condições ganhe todas as manchetes”.

A nosso ver, porém, nada há de raro no episódio e não é mera conspiração enxergar nele outros interesses que não a mera “convicção de que a delação de Costa” deva “detonar um escândalo de grandes proporções, com potencial para pautar a política nos próximos anos”, em relação ao qual “nenhum veículo quer ficar à margem ou parecer irrelevante”, como afirmado pela jornalista.

Nas eleições presidenciais de 1994 e 1998, as grandes empresas de comunicação defendiam a eleição de Fernando Henrique Cardoso. Não tinham, por isso, interesse em dar cobertura, tendo sido banidos os debates entre presidenciáveis, “pela negativa de FHC e pela conivência da mídia”.

No dizer de Antonio Albino Canelas Rubim, “como por encanto”, esse silêncio “desapareceu de modo notável”, no pleito de 2002, quando a mídia jornalística “atuou vivamente na discussão da verticalização das alianças impostas pelos tribunais eleitorais e, com maior destaque, na construção e no desmonte de (pré)candidaturas. As polêmicas acerca da aliança do PT com o PL; as idas e vindas e as indecisões da candidatura do PSB; as dificuldades da formação da Frente Trabalhista; os embates internos do PSDB entre Serra e Tasso; a dilaceração do PMDB e os problemas da pré-candidatura Itamar Franco; os impasses do PFL em busca de uma candidatura alternativa, emblematicamente expressos na ascensão e queda de Roseana Sarney. Enfim, todos estes e outros acontecimentos foram objeto de farta cobertura jornalística”.

Em 2002, toda a mídia mostrou-se interessada pelos debates eleitorais, em especial para presidente, que passaram a gerar “prestígio, negócios e audiência: uma convergência mais que tentadora”. Além disso, sustenta Antonio Rubim, a mídia objetivava “obter legitimidade e credibilidade para sua atividade” e, assim, mesmo os candidatos do PSTU e do PCO “obtiveram algum espaço”, ainda que tivessem sido “seletivamente desconsiderados”.

Ainda que a “radical mudança de atitude nas estratégias e nas coberturas midiáticas” seja objeto de estudos quanto aos interesses ideológicos, econômicos e jornalísticos que a envolveram, para Vera Chaia uma das razões seria que “os outros candidatos que disputavam a presidência (Ciro Gomes, Anthony Garotinho e José Serra) precisavam ser conhecidos pelo eleitorado para se tornarem alternativas à candidatura Lula, já que a mídia sempre se posicionou contrária a ela. Só no final da campanha, quando a vitória de Lula já estava praticamente definida é que alguns setores da mídia começaram a assimilar um pouco o candidato do PT”.

Contudo, desde que passou a se interessar pelos debates eleitorais, a mídia “pareceu funcionar com base na máxima de que cabe a ela colocar todos os candidatos na parede, demonstrando ‘isenção’ e ‘criticidade’, confundidas com objetividade, com relação a todas as candidaturas”.

Nos debates, diz Antonio Rubim, “tudo e todos são, em princípio, suspeitos a começar pela própria atividade política”, desprezando-se “a dimensão propositiva”, quase sempre “desqualificada como apenas mais uma promessa de campanha”. Ressaltam-se as “dimensões negativas da política, em detrimento de aspectos que possam ser considerados mais propositivos e quiçá positivos”.

Vera Chaia observa a desqualificação de alguns candidatos pela mídia desde as eleições de 1989, especialmente os candidatos do PT, sempre acusados, por exemplo, de que “proibiriam as igrejas evangélicas de funcionar”, além de ser atiçado “o medo do ateísmo e da perseguição religiosa”, da revolução, “contra os direitos de propriedade, a favor da baderna, da anarquia e do comunismo”.

Para Antonio Rubim, outra novidade a partir das eleições de 2002 foi que o mercado passou a ditar as “posturas dos candidatos” e mesmo a exigir “determinados candidatos confiáveis”, valorizando-se aqueles que “têm a ‘competência’ de acalmar o mercado”, enquanto “outros estão contaminados, imanentemente, com o vírus que provoca o caos econômico”.

Segundo Vera Chaia, as instituições financeiras internacionais passaram a adotar um “posicionamento político”, exigindo “certas garantias de pagamento da dívida e a honra de compromissos financeiros”, enquanto oscilações da Bolsa de Valores e variações do dólar passaram a ocorrer em função das pesquisas publicadas, transformando-se em “grandes preocupações da mídia” e provocando “declarações dos diferentes candidatos”.

Por isso, diz ela, “o PT teve que desconstruir a imagem de um partido político dogmático, radical, intransigente e construir a imagem de um partido moderno, negociador, confiável e conciliador”. Foi o que fez com a dobradinha Lula/José Alencar que, como mostra Luiz Felipe Miguel, “foi montada com o incentivo do marqueteiro Duda Mendonça” simbolizando “a união entre capital e trabalho”. Segundo ele, “a própria presença de Mendonça sinalizava as mudanças na candidatura petista”, pois “o marqueteiro tinha seu nome associado ao do líder da direita paulista, Paulo Maluf”, razão pela qual teria sido hostilizado, de início, por “parte da cúpula e muito da base do PT”.

De acordo com Vera Chaia, nas eleições de 2002 os ricos estavam descontentes e apoiaram Lula, na esperança de que o ex-metalúrgico fizesse “a ponte com o ‘misterioso’ mundo dos pobres”.

Para ela, o mais impressionante foi ver “os motivos que fizeram com que essas pessoas votassem em Lula”, pois acreditavam que “somente um presidente como o Lula, que ‘veio de lá’”, que conhecia “as necessidades desse povo”, poderia “mudar a situação”.

Segundo Vera Chaia, havia, na avaliação da Folha de São Paulo, uma esperança de que o novo governo combatesse “o desemprego e a violência” e recuperasse o “direito de ser rico”.

Por isso, diz ela, “pode-se afirmar que o que moveu esse setor da sociedade para definir o seu voto a favor de Lula foram motivos ‘egoístas’. Eles perceberam a mudança na imagem de Lula e compreenderam que somente acabando com a pobreza, com a miséria, combate-se a violência e a insegurança. A identificação partidária ou ideológica não significou nada para estes setores”. O que importava era “recuperar o ‘direito de ser rico’, o ‘direito de ser feliz’ e o slogan ‘sem medo de ser feliz’” adquiriu “outro sentido: não ter mais remorso, não ser mais roubado, não ser mais conivente com a desigualdade, já que ela incomoda e provoca um desconforto na vida dessas pessoas”.

Todavia, apesar dos programas de transferência de renda que fizeram com que fossem tirados da miséria “40 milhões de pessoas, garantindo três refeições diárias, moradia e garantindo às crianças o ensino fundamental”, parece que os ricos, ainda que não tenham perdido nem os dedos nem os anéis, sentem-se prejudicados “pelo aumento do salário mínimo, pelo maior acesso à universidade, pelo maior financiamento da agricultura familiar, pelo suporte aos municípios mais pobres, e até por iniciativas tão elementares como o Bolsa Família ou o Luz para Todos”, ou pela reforma constitucional que ampliou os direitos dos empregados domésticos e pelo aumento do número de pessoas nos aeroportos.

Para eles, assim como para os opositores de que fala João Sicsú, “o que importa é interromper a história. Afinal, ela tem incomodado e muito”, e eles “não aceitam civilizadamente o resultado das urnas: afinal, estudaram nas melhores escolas, em universidades americanas e falam duas ou três línguas. Seu destino não poderia ser a oposição. Eles não aceitam não ocupar posições de comandos”.

É o que se passa com a “grande imprensa”, enfatizada pela famosa e sincera declaração da presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ) e diretora-superintendente do Grupo Folha, Judith Brito, de que “os meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país, uma vez que a oposição está profundamente fragilizada”.

Além disso, para enfatizar sua credibilidade, parece que a mídia está permanentemente a nos perguntar, como aquele amante que, quando flagrado com a esposa do amigo, lhe diz: vais acreditar em mim ou no que vês?

Florianópolis, 16 de setembro de 2014.

Oswaldo Miqueluzzi – Advogado, licenciado em História com pós-graduação em História Contemporânea. Ex-vice-presidente da ABRAT (Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas) – Região Sul. Assessor jurídico da Federação dos Trabalhadores no Comércio no Estado de Santa Catarina.

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FONTES DE REFERÊNCIA

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CHAUÍ, Marilena. A ideologia da competência. Belo Horizonte: Autêntica; São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2014.

CHAUÍ, Marilena. A revolta urbana Entrevista– Ary Nabuco, Frédi Vaconcelos, Lilian Primi e Wagner Nabuco Caros amigos, ano XVII. Nº 197, agosto 2013.

COIMBRA, Marcos. A mídia e os juízes. CartaCapital, 13.11.2012.

DOWBOR, Ladislau. Semear ódio não ajuda
http://www.envolverde.com.br/materia.php?cod=82631&edt=1
acesso em 26/10/2010

GOMES, Luiz Flávio e ALMEIDA, Débora de Souza de.  “Populismo penal midiático: caso mensalão, mídia disruptiva e direito penal crítico”. São Paulo: Saraiva, 2013.

LIMA, Venício. Revista do Brasil, maio/2013.

MARTINS. Vera Guimarães. Jornal Folha de S. Paulo, 14 de setembro de 2014, p. A6.

MIGUEL, Luis Felipe. A descoberta da política – a campanha de 2002 na Rede Globo. In Eleições presidenciais em 2002 no Brasil: ensaios sobre mídia, cultura e política. Antonio Albino Canelas Rubim (org). São Paulo: Hacker, 2004.

RUBIM. Antonio Albino Canelas. Visibilidades e estratégias nas eleições de 2002: política, mídia e cultura. In Eleições presidenciais em 2002 no Brasil: ensaios sobre mídia, cultura e política. Antonio Albino Canelas Rubim (org). São Paulo: Hacker, 2004.

SICSÚ, João. Dez anos que abalaram o Brasil. E o futuro? São Paulo: Geração Editorial, 2013.

Autor: Oswaldo Miqueluzzi

Publicado em 22/09/2014 -

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