Democratizar é popularizar, tornar comum a todos algo de forma igualitária. A busca pela democratização da comunicação – nada mais é do que a busca pela liberdade de expressão de todos os cidadãos e cidadãs, de todas as raças, credos, etnias e cores. Democratizar a comunicação é garantir o direito de que diferentes ideias, opiniões, pontos de vistas dos mais variados grupos sociais, culturais e políticos possam manifestar-se em igualdade de condições no espaço público midiático.
O sistema de comunicação brasileiro é caracterizado pela concentração de mercado que se divide em dois fatores principais: a falta de limites claros no licenciamento de outorgas de rádio e televisão e a chamada “propriedade cruzada” que ocorre quando empresas de radiodifusão detêm controle de vários meios em outros segmentos do mercado, como jornais e revistas.
Esta realidade viola o Artigo 220 da Constituição Federal, que proíbe a formação de monopólio ou oligopólio no setor. E a consequência de toda essa concentração de poder mostra-se na falta de pluralidade, diversidade, no controle e manipulação das informações nos meios de comunicação.
“A comunicação é a estrutura fundamental para a democracia. Sem a comunicação plural, a democracia não consegue se consolidar. Temos uma mídia controlada por poucas famílias que não deixam que as vozes apareçam e que atendem apenas uma parcela da população” explica o professor de comunicação Laurindo Lalo Leal Filho, da Universidade de São Paulo (USP).
Segundo Lalo Leal, a regulamentação da mídia e a democratização da comunicação eram fatores
aguardados durante a gestão do governo Lula e como não ocorreram passaram a ser esperados no governo da presidenta Dilma Rousseff. Ele avalia que durante as duas gestões houve pequenos avanços na comunicação como a realização da primeira Conferência Nacional de Comunicação e a criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC).
Na visão de Lalo, o ex-presidente Lula deveria ter enviado uma Lei de Meios ao Congresso Nacional como fez Cristina Kirchner na Argentina. Ele avalia que a atual crise política que envolve o governo e o Partido dos Trabalhadores (PT) é um dos preços da omissão que tiveram com a comunicação. “Se a Lei dos Meios fosse aprovada esse noticiário criminoso continuaria, porém haveria contrapontos e a população teria a chance de perceber que há outra verdade. A Rede Globo é a grande responsável por essas massas desinformadas que tomam as ruas contra o governo”.
O professor ressaltou que de 1988 até hoje foram elaborados mais de dez projetos para Lei de Meios, porém nenhum governo quis implantá-los temendo a reação dos grandes meios de comunicação. “Mais do que nunca precisamos da regulamentação da comunicação, porém o atual cenário não permite uma mudança na comunicação e a presidente Dilma tem que salvar o mandato dela. Para nos informarmos adequadamente neste período, o melhor é buscar as mídias alternativas e a imprensa internacional, pois estamos vivendo algo semelhante à ditadura nos meios que desinformam ao invés de cumprir seu papel social”.
A psicóloga e pesquisadora Rachel Moreno lembra que todos temos direito a comunicação e afirma que a mídia surgiu para dar voz e vez a todos, porém isso não ocorre em nosso país. “Nós não temos acesso às demandas dos trabalhadores, às greves das centrais sindicais, às notícias dos movimentos sociais. Temos acesso apenas ao que meia dúzia de famílias decidem que vão mostrar. A informação vem editada, mastigada e com opinião intrínseca sobre o que devemos pensar e defender”.
Outro grande problema enfrentado na comunicação brasileira e previsto no Projeto de Lei da Mídia Democrática é o uso das outorgas por políticos. Em todo o país vereadores, prefeitos, governadores, deputados e senadores controlam jornais e meios de comunicação, tornando as informações tendenciosas e omissas. Para tanto, o projeto propõe que políticos e seus parentes
de primeiro grau sejam impedidos de controlar canais de comunicação.
Dados do Fórum Nacional de Democratização da Comunicação (FNDC) mostram como os meios de comunicação, por vezes, tornam-se meramente comerciais. O levantamento aponta que as emissoras chegam a ter 92% do seu tempo vendido para terceiros. Canais como a Rede Bandeirantes e RedeTV chegam a comercializar de forma irregular percentuais acima de 30% de sua programação. Essas grades são adquiridas principalmente por igrejas e congregações religiosas que chegam a transmitir 22 horas de programação.
Entre as reinvindicações da democratização da comunicação está garantir mais transparência e novos critérios para concessão de emissoras de rádio e televisão. Atualmente, as propostas e programação são ignoradas e as outorgas são concedidas a quem paga mais por elas. A renovação é feita de forma automática, não há debate público com a comunidade que receberá um novo canal.
Um dos critérios propostos pela Lei da Mídia Democrática é o respeito “a preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas” e “a promoção da cultura nacional e regional, o estímulo à produção independente e o respeito aos demais princípios constitucionais concernentes ao tema”.
A ampliação do número de emissoras de televisão e rádios comunitárias e públicas, a universalização do acesso à internet, e mudanças nos critérios de destinação das verbas publicitárias são exemplos de políticas públicas que dependem apenas do governo para saírem do papel e se tornarem realidade.
Regulamentar e democratizar
A regulamentação da mídia muitas vezes é confundida com censura devido à distorção realizada pelos grandes meios de comunicação. Regulamentar é uma reinvindicação histórica do movimento pela democratização da comunicação.
A radiodifusão é, assim como a energia, o transporte e a saúde, um serviço público que deve ser prestado com base no interesse público e requer regras para o seu funcionamento. As emissoras de rádio e televisão, precisam de regras e normas, pois quanto maior o poder de um determinado setor maior é a necessidade e a intensidade de regulação por parte do Estado.
“Regulamentar a mídia não é censura porque em todas as democracias existem regras e normas que são estabelecidas em consenso. O que os grandes meios defendem é a liberdade de expressão empresarial, enquanto nós defendemos a liberdade de expressão para todos”, destaca a pesquisadora Raquel Moreno ao defender que a mídia deve ser mais democrática e plural para que possa efetivamente cumprir seu papel de dar voz e vez para todos.
O professor Lalo Leal defende que “cabe ao estado regulamentar à mídia para que haja um equilíbrio entre veículos públicos, privados e públicos não estatais. Esse é um importante passo para a democratização da comunicação, uma vez que põe fim ao poder de um mesmo grupo econômico controlando os mais variados veículos de comunicação em várias partes do país”.
Entre as alternativas para combater essas distorções, o Projeto de Iniciativa Popular da Mídia Democrática prevê mecanismos de combate à concentração nas comunicações regulamentando os artigos da Constituição que tratam do tema. O projeto também acaba com a propriedade cruzada ao impedir que uma empresa que possua um veículo de comunicação numa determinada localidade adquira uma licença para um novo serviço de comunicação.
Mobilização social
Cabe aos movimentos e organizações sociais e sindicais mobilizarem a sociedade a debater a importância de um novo marco legal das comunicações e, assim, pressionar o governo. O Projeto de Lei de Iniciativa Popular e Democrática é um instrumento para debater o tema de forma concreta e com base em uma comunicação que dialoga com a realidade do Brasil.
Para Lalo Leal, o desafio é construir unidade para potencializar as lutas. “O movimento sindical tem um papel importantíssimo na democratização da comunicação. A mídia sindical, embora fragmentada, é extremamente poderosa. Ela tem o papel de desconstruir a mídia hegemônica, atuando contra os retrocessos das leis trabalhistas, em defesa dos trabalhadores e da democracia”.
A pesquisadora Raquel Moreno vê na democratização da comunicação a chance de se discutir pontos e formar opiniões de maneira plural. “Não somos receptores passivos do que querem que a gente veja e ouça. Temos nossa visão de mundo e com a democratização os trabalhadores e todos os cidadãos ganharão o direito de se expressar, defender suas causas e compartilhar conquistas. Por isso temos que nos manter unidos nessa luta por meios de comunicação que seja de todos”.
Fonte: Lauany Rosa/ Contracs