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Clemente Ganz LúcioPor Clemente Ganz Lúcio é sociólogo e diretor técnico do Dieese.

A crise de 2008 expôs a fratura do absurdo descolamento entre a riqueza real e a riqueza financeira, criando, desde então, ávida busca para encontrar oportunidades de novos casamentos entre ambos.

Quem tem ativos reais para vender na feira mundial do capitalismo? Quem possui uma empresa, um produto interessante, um projeto oportuno, uma nova tecnologia? Quem possui minérios (ferro, alumínio, petróleo etc.), água potável, terra fértil com sol e chuva, florestas e plantas? Estradas, portos, aeroportos, usina hidroelétrica ou eólica, silos, telefonia? Um grande mercado de consumo de educação e de saúde privada? Tudo isso e muito, muito mais formam o campo para bons negócios, para gerar muito lucro e lastrear parte da riqueza. Você consegue ver o Brasil aí?

Na última terça (7), o jornal Valor Econômico publicou entrevista com o economista-chefe do Banco Santander, Maurício Molan. Ao responder a pergunta sobre investimento estrangeiro no Brasil, cravou: “Converso com empresas multinacionais e a pergunta mais comum é: ‘agora é hora de comprar ativos? ’ Eu respondo que sim. O câmbio está em patamar favorável em termos históricos, os preços dos ativos estão baratos. É hora de comprar Brasil”.

Para isso, acrescenta que é necessário um pouco de estabilidade macroeconômica e de atratividade para investimentos, fatores prioritários para o atual governo do Brasil.

Sejamos claros: o Brasil é uma das maiores e mais valiosas “joias” para o capitalismo mundial. O que acontecerá com o nosso desenvolvimento se ampliarmos ainda mais a internacionalização da nossa base econômica e produtiva? Veremos a conta de remessa de lucro crescer, levando para a sede das empresas multinacionais a renda e a riqueza que nosso trabalho produziu aqui, elemento essencial para promover o desenvolvimento do País. Sim, restarão sobras, migalhas talvez. Elas sempre sobram. Mas não se fazem transformações econômicas e sociais, em um país com as dimensões territoriais, populacionais e produtivas do Brasil, com sobras e migalhas. O País precisa é de forte capacidade produtiva interna, nacional (capital brasileiro), de empresários que pensem o Brasil como base de produção (econômica, política, social, cultural) e que queiram enraizar nesse solo e nessa nação o conhecimento, a tecnologia e a inovação para, com incremento da produtividade do trabalho, gerar riqueza e renda, salários e lucro, aqui reaplicados.

Há países ricos que enriqueceram somente porque fizeram essa escolha e construção: desenvolveram capacidade produtiva interna, com forte atuação dos estados, animando a formação do empresariado nacional, mobilizando conhecimento para gerar tecnologia que se transforma, no chão da empresa, em inovação. Constituíram o mercado interno com emprego de qualidade e crescimento dos salários, com um Estado capaz de investimento econômico e promoção de direitos e serviços sociais. Uma nação não enriquece e se desenvolve sendo expropriada, aliás, como tem sido a história desse País desde a extração do pau-brasil.

Os países são ricos também porque souberam valorizar ativos naturais e deles fazer forte alavanca para o desenvolvimento e a construção da base produtiva. Em um período histórico em que a questão ambiental atinge máximo grau de dramaticidade e urgência, vender esses ativos é, além de tudo, irresponsabilidade intergeracional com os brasileiros e a humanidade.

Sairá muito caro para a nação participar dessa feira capitalista como um país à venda. Os investidores, capitaneados pelo sistema financeiro, ficarão, mais uma vez, felizes. Para nós, sobrarão pesadelos. Para ser mais rigoroso, na verdade, abriremos mão do soberano direito de sonhar.

Publicado em 10/06/2016 - Tags: , ,

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