Por Francisco Alano, presidente da FECESC – Federação dos Trabalhadores no Comércio no Estado de Santa Catarina
Os empresários brasileiros e a grande mídia do país vêm constantemente tentando desqualificar como “emocional e ideológica” a posição dos trabalhadores contrários ao PL 4330, que estabelece a farra das terceirizações no Brasil. Insistem na velha tecla de que é preciso “modernizar” as relações de trabalho no Brasil, para que, através da flexibilização da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o país possa encontrar “soluções criativas” para voltar a crescer. Na mesma linha, afirmam também que os argumentos em torno da precarização das relações de trabalho são suposições sem lastro na realidade e que a medida é boa para toda a sociedade.
Nada mais falso do que este tipo de afirmação. Em primeiro lugar, os argumentos dos trabalhadores não são “emocionais”. O fato é claro, os terceirizados já existentes no Brasil recebem em média salários 26% inferiores ao dos diretos, trabalham em média 3 horas semanais a mais e permanecem menos tempo no emprego, 2,5 anos contra 6 anos, em média. Os terceirizados estão mais expostos aos acidentes de trabalho, sendo que de cada 5 trabalhadores que morrem no ambiente de trabalho, 4 são terceirizados. E por fim, um dado alarmante, 90% dos trabalhadores resgatados em condições análogas à escravidão estavam alocados em empresas terceirizadas.
No caso dos bancários, por exemplo, a redução da remuneração é ainda mais gritante, os chamados correspondentes bancários, alocados de maneira terceirizada, recebem menos de um terço do salário dos trabalhadores diretos.É preciso ser taxativo: a terceirização atende apenas aos anseios de parte considerável dos empresários brasileiros, que, baseados em uma forma de pensar atrasada, ainda veem na redução de direitos trabalhistas a única maneira de reduzir custos.
Se não bastam as evidências internas do que já ocorre, cabe também resgatar o exemplo do que aconteceu em Portugal após flexibilização semelhante a que estão tentando implantar no Brasil via PL 4330. Lá também se clamava pela flexibilização das leis trabalhistas como passo necessário para sair da crise que abateu o país no pós-2008. Entretanto, o que ocorreu foi o contrário. Segundo estudo do Banco de Portugal publicado no final de 2014, de cada dez postos criados após a flexibilização, seis eram voltados para estagiários ou trabalho precário. Ou seja, o resultado deste tipo de medida não foi a saída da crise, mas sim o seu aprofundamento, degradação da condição de vida do trabalhador e aumento exponencial de portugueses imigrando, inclusive vindo para o Brasil.
Os empresários afirmam, através de suas entidades de classe – como a Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP), que gastou milhões em uma campanha publicitária veiculada em horário nobre das grandes redes de televisão –, que a terceirização irá gerar especialização produtiva e aumento dos empregos no Brasil. A afirmação poderia até ter algum fundo de verdade, caso os empresários estivessem tratando da economia da Suécia. No Brasil, a situação é totalmente diferente. A grande maioria dos postos de trabalho no país, apesar da melhora das condições de vida dos últimos anos, continuam situados em setores com rendimento até 3 salários mínimos. É por estes setores que os empresários começarão a terceirizar, gerando uma subcategoria de trabalhadores, mal remunerados e fragilizados na relação de trabalho.
O fato é tão verdadeiro, que a própria Confederação Nacional das Indústrias (CNI), em pesquisa realizada junto aos empresários, demonstrou que 91% das empresas objetivam reduzir custos através das terceirizações, apenas 2% (pasmem!) afirmaram que buscam especialização técnica. Resta a pergunta, neste caso, de que forma os empresários irão reduzir seus custos se não através do aumento da exploração dos trabalhadores? Extremamente complicada a situação dos empresários, que tem os próprios dados contra as suas posições “emocionais e ideológicas”.
Em Santa Catarina, de um total de 2,1 milhões de trabalhadores, já temos 600 mil terceirizados. Ou seja, 28% da nossa força de trabalho já se encontra terceirizada. Os empresários afirmam, por meio de suas instituições no Estado (FIESC, Fecomércio, FCDL, FACISC e demais) que o PL 4330 visa regulamentar e melhorar a vida dos 600 mil terceirizados. Ocultam, no entanto, que através da liberação da terceirização nas atividades-fim das empresas, aquelas que constituem a essência das empresas (bancários em um Banco, professores em uma escola, vendedores no comércio etc.), o que está em jogo é a situação dos 2,1 milhões trabalhadores restantes, que hoje ainda tem a proteção da CLT para lhes dar abrigo.
É importante ressaltar também, que a posição contra as terceirizações não é solitária por parte das entidades sindicais efetivamente representantes dos trabalhadores. Outras entidades já expressaram publicamente sua contrariedade ao PL 4330. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) é unanimemente contrário, declarando que a medida representa um “profundo e rápido rebaixamento do valor social do trabalho”. A Comissão de Assuntos Sindicais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também se declarou contrária, assim como a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), o Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério do Trabalho (IPEATRA), a Rede Nacional de Pesquisas e Estudos em Direito Social (RENAPEDS), os Auditores Fiscais do Ministério do Trabalho e a Rede Latinoamericana de Juízes (REDLAJ – organismo internacional com magistrados representantes de 19 países da América do Sul).
Mesmo com todos estes argumentos, 12 dos 16 deputados federais catarinenses votaram contra os trabalhadores, aprovando a terceirização das atividades-fim na Câmara Federal. Negaram ouvir os eleitores que os elegeram, agiram contra o interesse do povo catarinense. A favor da pressão de empresários, que tiveram acesso livre ao Congresso no dia da votação do PL, enquanto que os trabalhadores eram rechaçados violentamente pela polícia do lado de fora.
Por fim, a farra das terceirizações, na prática, joga a CLT no lixo. Ataca os direitos dos trabalhadores e precariza as relações de trabalho, reduzindo salários, qualidade de vida e causando doenças. Não é um ataque apenas às conquistas históricas dos trabalhadores, é também contra toda a sociedade brasileira, que vivenciará, caso aprovado o PL 4330, uma forte redução do mercado interno, com impactos diretos sobre a geração de emprego e renda, paralisando o processo de distribuição de renda. De moderna, não tem absolutamente nada, nem ao menos o discurso empresarial e da grande mídia, que já acumula teias de aranha. Se aproxima muito mais à Idade Média, necessitando ser combatida não apenas pelos trabalhadores, mas por toda a sociedade brasileira.