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Maria do Pilar Lacerda, secretária nacional de Educação Básica do Ministério da Educação entre 2007 e 2012

 

O governo Jair Bolsonaro não repassou recursos que deveriam ser destinados à educação básica no primeiro semestre deste ano, o que afeta a educação em tempo integral, programas de alfabetização, a construção de creches e o ensino técnico efetivados por estados e municípios. A informação foi obtida pelo repórter Paulo Saldaña, da Folha de S.Paulo, através da Lei de Acesso à Informação e do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento do Governo.

A educadora e historiadora Maria do Pilar Lacerda, secretária nacional de Educação Básica do Ministério da Educação nos governos Lula e Dilma, entre 2007 e 2012, e secretária municipal de Educação de Belo Horizonte (2002-2007), falou ao blog. De acordo com ela, a falta de prioridade na educação infantil na construção de creches vai nos trazer um prejuízo geracional. “Quem sofre são as mães pobres trabalhadoras e os filhos dessas mães”, afirma.

Enquanto em 2018, foram transferidos R$ 399,6 milhões para 9.197 escolas visando o apoio à educação integral nos ensinos fundamental e médio, neste ano o valor, até agora, foi zero. Segundo a reportagem da Folha, até abril, foram transferidos aos municípios 13% do total repassado no mesmo período de 2018 para a continuidade da construção de unidades municipais de creches por meio do programa Proinfância.

Pilar afirma que o objetivo da educação integral é desenvolver o potencial das crianças que frequentam as escolas públicas e não simplesmente retirar da rua para impedir que entrem no crime, como afirmam alguns. “Significa mais tempo para atividades criativas que estimulam outras capacidades. Uma aprendizagem que já é comum entre as crianças da classe média, que têm acesso a aulas de judô, balé, esportes variados, tecnologia.”

E lembra a importância de alfabetizar os responsáveis pelas crianças de forma a garantir que a educação delas possa ir além. “A escolaridade dos mães impacta a dos filhos, então quanto mais estimular a delas, melhor será a dos filhos. Cada ano de escolaridade da mãe, por exemplo, significa um impacto de três anos de escolaridade a mais para o filho.”

Leia a entrevista com Maria do Pilar Lacerda:

Qual o pior impacto na redução dos recursos repassados pelo governo federal à Educação?

A educação infantil é a que mais me preocupa. Você tem 30% das crianças de zero a três anos matriculadas em creches. Tínhamos que chegar a, pelo menos, 50% para atingir a meta do Plano Nacional de Educação em 2024. Com a paralisação nos repasses e essa falta de priorização da educação infantil, principalmente na construção de unidades, quem sofre são as mães pobres trabalhadoras e os filhos dessas mães. É um prejuízo geracional ao país.

Qual o prejuízo para a educação integral?

O objetivo da educação integral em escolas públicas não é evitar que crianças fiquem na rua e se tornem criminosas, como pensam alguns. Significa mais tempo para atividades criativas que estimulam outras capacidades das crianças e jovens. Uma aprendizagem que já é uma coisa comum entre as crianças da classe média, que têm acesso a aulas de judô, balé, esportes variados, tecnologia. A educação integral deve caminhar para ampliar as oportunidades para eles. Além disso, quando se reduzem aulas de reforço de matemática e português, também se cria uma limitação às múltiplas aprendizagens que elas teriam.

A meta é a universalização da educação integral no Brasil?

Por enquanto, não. Há crianças que não conseguem ficar o dia inteiro na escola porque fazem trabalhos domésticos, que ficam em casa para cuidar dos irmãos porque não há creche para as mães e pais que trabalham. O Plano Nacional fala em garantir para que a rede seja ampliada até atingir 50% das escolas. Mas quando você não o prioriza, quando diminui recursos, cortam-se as oportunidades que seriam abertas a crianças mais pobres.

A redução de recursos também atingiu investimentos na educação de jovens e adultos?

Os cortes no financiamento interrompem uma trajetória do Brasil que tentava pagar a nossa dívida histórica, corrigir o fato de estarmos sempre atrasados em relação a outros países da América Latina. Enquanto a Argentina e o Uruguai fizeram a priorização no final do século 19, começo do século 20, nós começamos a correr atrás no final do século 20. Desde a redemocratização existia uma preocupação real para garantir a alfabetização daqueles que nunca foram para a escola e daqueles que começaram e pararam por conta do trabalho. A escolaridade das mães impacta a dos filhos, então quanto mais estimular a delas, melhor será a dos filhos. Cada ano de escolaridade da mãe, por exemplo, significa um impacto de três anos de escolaridade a mais para o filho. Então é muito estratégico investir na Educação de Jovens e Adultos. Vale lembrar que a educação básica vai da educação infantil ate o final do ensino médio e, portanto, envolve também Educação de Jovens e Adultos.

O governo havia dito que sua prioridade seria a Educação Básica em comparação com o Ensino Superior. Essa separação é possível?

Cortar o ensino superior é impactar o futuro dos professores, que precisam de formação melhor, carreira melhor, salário melhor. É uma balela dizer que tem muito dinheiro na educação no Brasil. Se você olhar o gasto per capita de outros países europeus da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, o “clube” dos países mais ricos], a diferença conosco é horrorosa. Gastamos pouco, gastamos mal. E quando há um corte desses, o impacto é uma cachoeira.

E como tudo isso afeta a produtividade?

Há duas formas de tratar da produtividade. Com menos recurso para a educação básica, pessoas vão entrar com formação precária no mercado de trabalho. Os setores produtivos do Brasil reclamam muito da qualidade da mão de obra, mas sem investimento, isso não vai mudar. A outra produtividade é a dos próprios alunos em sala de aula. Temos visto reportagens de crianças que, quando entram de férias, começam a passar fome porque não têm acesso à merenda escolar. Isso é o que acontecia lá nos anos 80, quando comecei a lecionar, com crianças que chagavam pálidas e fracas na segunda-feira porque não tinham o que comer. O pouco tempo na escola somado à piora na situação econômica das famílias trazida pela crise resultam em crianças que vão aprender menos e pior.

Fonte: Blog do Sakamoto | Escrito por: Leonardo Sakamoto | Foto: Leonor Calasans/IEA/USP

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