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JosealvarodelimacardosoPor José Álvaro de Lima Cardoso, Economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.

No início de junho o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central aumentou, pela sexta vez seguida, a taxa básica de juros (Selic) em 0,5%, tendo alcançado 13,75% ao ano. O atual nível da taxa de juros é o mais elevado desde dezembro de 2008. O argumento do banco central é o controle da inflação, que está acima da média dos últimos anos. Segundo essa abordagem, juros mais elevados inibem o consumo e os investimentos (já que é muito mais rentável investir no mercado financeiro e viver de rendas do que correr o risco de produzir), diminuindo a margem para aumentos de preços, levando à queda da inflação.

O Brasil corre o risco concreto de amargar uma recessão neste ano. Seja em decorrência do ajuste ortodoxo encaminhado pelo Joaquim Levy ao Congresso Nacional, seja pela tentativa de destruir o setor de petróleo no Brasil (via Operação Lava Jato), ou em função da pressão dos setores poderosos que torcem contra o país. Os indicadores são eloquentes. Em março último o comércio registrou queda de 0,9% no volume de vendas, pelo segundo mês seguido. Nos primeiros três meses do ano o comércio varejista ampliado (que considera todo o comércio), apresentou retração de 5,3%. Em doze meses até março, a análise do varejo ampliado revela retração de 3,4%.

A indústria segue numa marcha ainda mais preocupante. No ano, na comparação com o mesmo período de 2015, a produção caiu 6,3% e o emprego 4,6%. A retração no acumulado do ano para bens de capital atinge quase 20%.

O mercado de trabalho, que vinha resistindo apesar do baixo crescimento do nível de atividade, apresenta tendência de elevação da taxa de desemprego, na maioria das Regiões. Ao mesmo tempo, segundo o DIEESE, a tendência é também de queda da renda: nos 12 meses terminados em março, a massa de rendimentos reais dos ocupados declinou em todas as regiões metropolitanas pesquisadas: Porto Alegre (-9,6%), São Paulo (-8,7%), Recife (-1,6%), Fortaleza (-1,1%) e Salvador (-0,8%).

O ajuste proposto pelo ministro Levy projeta economizar R$ 80 bilhões em cima dos brasileiros mais pobres, para garantir a política de superávit primário. Esta política – que é intocável, praticamente não se discute – interessa basicamente ao setor financeiro e aos credores em geral da dívida pública brasileira. Atualmente, a chamada Dívida Líquida do Setor Público, equivalente a pouco mais de um terço do PIB, transfere na forma de juros o equivalente a quase 6% do PIB para os credores da dívida, algo próximo a R$ 300 bilhões, todo ano (nos últimos 12 meses foram R$ 377 bilhões, 6,7% do PIB). Verdadeira fortuna, que equivale a mais de 10 vezes o orçamento do Programa Bolsa Família (Programa que retira 55 milhões de brasileiros da fome), obtidos sem produzir um parafuso e sem colocar o pé na fábrica. Mesmo assim, alguns temem discutir a política de realização de superávit primário no Brasil, para não causar “transtornos no mercado”.

O Brasil vem crescendo pouco, arriscando as conquistas dos últimos anos, basicamente porque somos “campeões mundiais” em taxa de juros. Isto num contexto em que boa parte dos países do mundo vêm praticando taxa de juros reais negativas ou muito baixas. Não há economia que consiga deslanchar com a combinação de superávit primário elevado e as maiores taxas de juros do planeta. Com a economia mundial enfrentando a pior crise dos últimos 86 anos, a política de juros estratosféricos e as transferências de recursos públicos aos rentistas representam uma espécie de rendição ao capital financeiro. Não por acaso, enquanto a economia brasileira patina, o lucro líquido dos bancos no primeiro trimestre de 2015, (lucro somado das maiores instituições financeiras em ativos totais – Banco do Brasil, Itaú Unibanco, Bradesco e Santander) alcançou R$ 14,7 bilhões, alta de 24,2% em doze meses. Enquanto isto, no mesmo período o setor financeiro demitiu 6 mil trabalhadores.

Expansão de lucro líquido de 24% em um contexto em que a economia não cresceu, revela o quanto o sistema financeiro está deslocado do ciclo produtivo do país e quanto a política monetária está voltada para garantir o lucro dos rentistas. Em função do grande poder econômico e político que os bancos detêm e da consequente enorme influência sobre a opinião pública, praticamente não se fala nos lucros do setor, ligado fundamentalmente aos ganhos dos rentistas, do que propriamente à disponibilização e intermediação do crédito, que deveria ser o papel e a vocação dos bancos.

Os gastos com juros são a verdadeira razão do déficit nas contas públicas, portanto, não adianta tirar dos que têm menos. A política de ajuste fiscal que vem sendo encaminhada esquece esse dado fundamental para se concentrar em políticas que achatam os direitos dos mais pobres e respondem por valores fiscais modestos. O Brasil deveria apostar no desenvolvimento e: a) reduzir taxa de juros; b) assegurar as conquistas obtidas no campo do emprego e da renda e reforçar ainda mais o mercado interno; c) investir na indústria nacional e na agricultura; d) aumentar recursos para desenvolvimento da pesquisa, ciência e tecnologia; e) fazer reforma tributária na direção de tornar o sistema mais progressivo, aprovando, por exemplo, o imposto sobre as grandes fortunas); f) combater a sonegação fiscal que desvia mais de R$ 500 bilhões por ano; g) investir pesado em infra estrutura (o reforço da parceria com a China, anunciado recentemente, é estratégico).

Nas inúmeras possibilidades do regime de partilha do pré-sal, em toda a cadeia produtiva, e nas exigências de conteúdo nacional nas aquisições da Petrobrás (os aspectos mais combatidos atualmente na política de petróleo no Brasil), representam a possibilidade de o país retomar o crescimento industrial e realizar uma inserção nas cadeiras industriais internacionais de forma soberana. Mas tudo isso só dará resultados se mantivermos as conquistas e ampliarmos o mercado de massas. São desafios gigantes para um país continental. E como diz a professora Maria da Conceição Tavares não se conseguirá enfrentá-los apenas com respostas técnicas.

Publicado em 10/06/2015 - Tags: ,

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